Conversa entre dois amigos.
– Vai ter golpe!
– Golpe? Onde?
– Sim. Aqui. No Brasil.
– No Brasil??? Golpe??
– Em que mundo você vive, cara? Só se fala nisso. Em todos os jornais. Os milicos querem dar um golpe. Já avisaram.
– Avisaram? Um golpe anunciado?
– Sim, com data marcada e tudo. Só falta o horário.
– Jura? E que dia será?
– Em 02 de outubro de de 2022. Logo que terminarem a apuração do primeiro turno das eleições presidenciais.
– Nunca vi isso. Golpe com dia marcado. E com boa antecedência! Deve ser a modernidade. Ou a pós–modernidade. Mas uma coisa me intriga.
– O quê?
– Avisando assim, com antecedência, não haverá tempo para os futuros golpeados se defenderem?
– Parece que não aqui. Vejo tudo parado.
– E o que a gente faz com um golpe anunciado?
– Não sei. Espera.
– O quê?
– O golpe.
– Ah…
– E depois faz nota de repúdio.
– Mas quem vai publicar a nota de repúdio? Qual jornal? Esqueceu que nos golpes eles censuram a imprensa?
– Não sei quem poderia publicar. Mas pelo menos a gente faz a nossa parte.
– A nossa parte é isso?
– Então a gente pode fazer nota de repúdio antes do golpe! E ainda é possível colocar emojis com carinhas bravas no face, no instagram, no twitter, no zap.
– E funciona? Evita o golpe? Consegue parar o golpe?
– Não sei.
– A propósito, por acaso você sabe se também anunciaram o motivo do futuro golpe?
– Anunciaram sim! Disseram que não aceitam a utilização pura e simples do voto eletrônico, da urna eletrônica. O voto também teria que ser realizado por escrito. Para evitar fraudes.
– Mas no tempo em que tinha o tal do “voto de cabresto” não era o sistema do voto impresso?
– Sim, era.
– E não tinha fraude??????
– Ahhhhnn…
– Outra coisa: não falam tanto que a gente tem que economizar papel?
– É mesmo. Mas agora tudo mudou, não é mesmo? Ninguém está mais ligando para o desmatamento.
– Já entendi. Voto vintage. Tudo que é vintage agora tá moda. Vai ver vão até usar a impressora matricial. Aquela com cópia carbonada, lembra? Super vintage. Com seis cópias. Uma fica com o eleitor. Outra com o órgão eleitoral. Outra com o seu patrão e outra pra quem você prometeu seu voto. As outras duas a gente guarda para qualquer eventualidade.
– Bom, na verdade, pelo que entendi, só vão dar o golpe se o candidato que eles não gostam vencer as eleições ou for para o 2º turno.
– Ah, sei. Golpe vintage e condicional. Parece até quando a gente era pequeno, né? Quando dava pra perceber que a gente ia perder o jogo de futebol, o dono da bola ia embora e a levava consigo.
– Mas às vezes eles conseguiam outra bola para continuar o jogo.
– Aí a gente inventava que a mãe estava chamando para tomar banho e jantar. Dava certo. Método infalível. Acabava o jogo.
– Aliás, também havia outra forma que de vez em quando a gente inventava.
– Verdade! A gente mudava as regras do jogo no meio do caminho. ‘‘Tipo’’ presidencialismo virar parlamentarismo, tal como falam agora.
– Isso.
– Bom, aí é só a gente sentar e esperar o golpe também.
– Você tem razão. Tudo muito vintage. Ou será “retrô”????