A tripulação da Lava Jato, recrutada para torpedear a corrupção, era formada por alguns mandriões desonestos. A navegação rumo ao poder político, rastreando mapas do tesouro pelo percurso, indicava uma procela institucional previsível. Rataram lastros sagrados da democracia, da cidadania, da ética, da legalidade e da civilidade cobiçando dobrões dos estaleiros, tanto faz se estatais ou privados. A mercantilização da lei foi a bússola que orientou essa nau bucaneira.
A Lava Jato, apresentada antes como porta-aviões da moralidade, hoje é um navio fantasma, perdido nas vagas das tempestades que plantou por ambicionar os postos mais altos do almirantado. Muitos de seus oficiais e criados de bordo são investigados, suspeitos e poucos afogaram em punições. As mais nauseantes derrotas, quando a maré mudou, foram as reformas de sentenças que atiraram o favorito da eleição aos tubarões em 2018 e entregaram o país ao capitão do caos. No alto do passadiço dessa nau mal-assombrada quem hasteou a bandeira da infâmia foi Sérgio Moro, que depois atracou confortavelmente na marina governamental, auferindo sua parte do butim.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça da capitania de Bolsonaro, apelidado nas redes sociais de “marreco”, agora se vê na lâmina d’água como um velho lobo do mar, apto a mergulhar nas águas mais profundas e turbulentas da política como se estivesse na segurança do cais da 13 vara de Curitiba, protegido por defensas da inamovibilidade e vitaliciedade. Marejado com as águas revoltas, sem a proteção da toga, reagiu como um marujo de primeira viagem e, zonzo, direcionou o barco presidencial, que já vinha fazendo água, rumo a um iceberg fatal. Em uma manobra digna de Edward Smith (comandante do Titanic), confessou que embolsava US$ 45 mil por mês da consultoria americana Alvarez & Marsal.
Coisa de R$ 10 mil/dia ou R$ 3,7 milhões em 10 meses, o equivalente a 10 salários-mínimos por dia. Buzinou a riqueza para uma nação de náufragos, famintos e desesperados, vítimas da pirataria jurídica que ele comandou para quebrar empresas, desempregar em massa e aportar Bolsonaro no cais, ou caos presidencial.
A companhia internacional Alvarez & Marsal obteve 78% da sua féria (R$ 65 milhões) drenados a partir de empresas investigadas pela Lava Jato, cujo timoneiro faccioso foi Sérgio Moro com sua caneta a serviço da tempestade. Independente do curso idealizado por Moro, hoje um comodoro endinheirado, seu bote presidencial aderna. Virou um astrolábio rústico, disfuncional.
Em qualquer porto neutro que ele atracar será intimado, em nome do interesse público, a explicar o trabalho realizado, identificar os clientes, se este é o valor real e, principalmente, porque pagamentos tão elevados e quais as verdadeiras razões de deixar um emprego milionário para se devotar à capitania do Brasil, ilha do desterro e do desprezo transatlântico. Foi um tiro de canhão no próprio casco. O ganho político foi água e os próximos faróis eleitorais – as pesquisas – já devem registrar avarias severas na anêmica esquadra morista e um presumível motim de políticos, pulando do barco, em busca da sobrevivência e da preservação dos cobres partidários estatais. Pode também obrigar o marreco a fugir no bote salva-vidas para mudar o curso e ancorar em um outro cargo, em busca do porto seguro da imunidade.
Amotinado sem causa, Moro ensaiou um exercício patético. Desafiou os comandantes das armadas adversárias a abrir as escotilhas da contabilidade privada. As de Bolsonaro ele certamente conhece, já que chefiou a Polícia Federal por mais de 1 ano e teve acesso às cabines do COAF até perdê-lo. No ancoradouro bolsonarista ele sempre bateu continência à sabujice. Na ressaca da corrupção das rachadinhas, limpou a sujeira do convés como convém a um taifeiro servil: “Sobre movimentação financeira atípica do senhor Queiroz (Fabrício), o senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio”, absolveu o ex-Juiz universal. Quanto ao candidato petista, Moro teve um mar de informações, dados integrais de todas as contas de Lula nos inquéritos que investigou e, ilegalmente, o condenou.
O tal desafio é uma marola marqueteira superficial de um corsário bêbado que está se afogando no próprio vômito. O curso escarpado da Lava Jato em busca da cornucópia ao final do arco-íris é uma tatuagem eterna e infame estampada na testa do marujo Sérgio Moro. O resultado é a candidatura soçobrando em uma calmaria inercial, a milhas náuticas de qualquer chance.
A pilhagem mais rentável e bilionária, dos cofres públicos, financiaria as aspirações políticas de outros criados de bordo, camuflados nos porões clandestinos de Curitiba. O acordo assinado pela Petrobras e pelos próceres da Lava Jato curitibana prevendo a criação de um fundo a ser administrado pelos rapazes da pólvora do MPF era anômalo e completamente ilegal. Ele previa que R$ 2,5 bilhões da Petrobras seriam depositados em uma conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba e seriam geridos por uma fundação exatamente controlada pelos sicários do Ministério Público Federal.
Uma âncora oxidada e absurda do tal acordo entregava a soberania brasileira prevendo que a Lava Jato se tornaria um canal para o governo dos EUA ter acesso a informações estratégicas de negócios da Petrobras. A própria Procuradoria-Geral da República recorreu ao STF pedindo que a Corte bombardeasse a pirataria. Alexandre de Moraes determinou a transferência do tesouro público, saqueado pela Lava Jato, para uma conta única do Tesouro Nacional com outras destinações.
O ministro Bruno Dantas, um dos oficiais do Tribunal de Contas da União, também acionou os sonares para detectar irregularidades na farra de diárias e passagens aéreas aos procuradores da Lava Jato. O TCU determinou que procuradores restituam os recursos. O comissariado entendeu que alguns gastos com passagens e diárias foram irregulares. A ação pode tornar procuradores inelegíveis, entre eles Deltan Dallagnol.
Alguns marinheiros engajados na Lava Jato receberam diárias e passagens para trabalhar em Curitiba, mas já eram aportados em marinas do MP em outros estados. O diário de bordo menciona R$ 2,636 milhões em diárias e passagens pagas para poucos escolhidos entre 2014 e 2021, com direito a casa, comida e roupa lavada nos iates nababescos da operação em Curitiba. Economicidade e impessoalidade não eram o passaporte desse cruzeiro da mamata. Ao contrário, montou-se um programa ‘vip’ de milhagens com dinheiro público.
Entraram na mira dos torpedeiros do TCU a gastança dos procuradores Antônio Carlos Welter (R$ 506 mil em diárias e R$ 186 mil em passagens), Carlos Fernando dos Santos Lima (R$ 361 mil em diárias e R$ 88 mil em passagens), Diogo Castor de Mattos (R$ 387 mil em diárias), Januário Paludo (R$ 391 mil em diárias e R$ 87 mil em passagens), Orlando Martello Junior (R$ 461 mil em diárias e R$ 90 mil em passagens), Jerusa Viecili (R$ 196 mil em diárias e 64 mil em passagens).
“O modelo ora impugnado envolveu a escolha de procuradores e o pagamento reiterado e ilimitado de diárias e passagens àqueles que, porventura, não residiam em Curitiba. Esse modelo viabilizou uma indústria de pagamento de diárias e passagens a certos procuradores escolhidos a dedo, o que é absolutamente incompatível com as regras que disciplinam o serviço público brasileiro”, disse o ministro Bruno Dantas do TCU em despacho.
Na maré alta da Lava Jato, em 2018, o então imediato da esquadra bucaneira comandada por Moro, Deltan Dallagnol, comprou um apartamento de luxo em Curitiba por R$ 1,8 milhão. Vendeu por R$ 2,7 milhões. No dia 12 de julho de 2021, Fernanda Mourão Dallagnol, esposa do “Delta”, arrematou uma segunda unidade no mesmo prédio. Pagou R$ 2,2 milhões em um leilão judicial.
Dallagnol diz que comprou o segundo imóvel com a venda do primeiro. Descobriu o caminho das Índias, com lucro estelar. Por muito menos, a Lava Jato mandou inocentes ver o sol nascer quadrado. Mensagens rastreadas pelos radares de Walter Delgatti mostraram que Dallagnol tinha uma mente mercantilista e, por estar na crista da onda, queria faturar alto. Em um chat criado em 2018, Deltan e um colega discutiram a constituição de uma empresa laranja na qual eles não apareceriam como sócios, mas as mulheres, dele e de Roberson Pozzobon: “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, fabulou Deltan no grupo.
Deltan Dallagnol também foi atingido pelas minas digitais surfando nas ondas do jabaculê. Mendigou passagem e hospedagem em um parque aquático para toda tropa familiar: ele, a mulher e os dois filhos, como condição para dar palestra na Federação das Indústrias do Ceará, em julho de 2017. “Posso pegar (a data de) 20/7 e condicionar ao pagamento de hotel e de passagens para todos nós”, disse Dallagnol. Um mês depois aconselhou Moro a se refestelar na mesma farra: “Eu pedi para pagarem passagens para mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram”.
“Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k (R$ 30 mil). Fica para você avaliar”, assinalou. Na conversa, Dallagnol festejou ainda impunidade pelas palestras: “Não sei se você viu, mas as duas corregedorias – MPF e CNMP – arquivaram os questionamentos sobre minhas palestras dizendo que são plenamente regulares”, salientou. Numa manobra diversionista, a vida nos camarotes do iate lavajatista era dita legal, regular e natural, enquanto o mundo externo era pintado com as cores sujas da delinquência para esconder o mau uso das prerrogativas de alguns membros do MP.
Além das diárias e dos altos cachês, dignos das estrelas, o episódio envolvendo o procurador Januário Paludo é o triângulo das bermudas, de tantos mistérios e lendas.
O doleiro Dario Messer, afirmou em mensagens trocadas com sua namorada, Myra Athayde, que pagou propinas mensais ao procurador da Lava Jato. Os diálogos de Messer sobre a propina a Paludo ocorreram em agosto de 2018 e foram capturados pela PF do Rio de Janeiro. Nas conversas, Messer atualiza a Myra sobre o maremoto de processos que respondia. Ele diz que uma das testemunhas de acusação contra ele teria uma reunião com Januário Paludo. Depois, afirma à namorada: “Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês”.
A quantia seria de R$ 50 mil/mês entre 2005 e 2013, por suposta proteção. Suspeito de ter recebido propina do próprio Messer, Paludo foi chamado a prestar depoimento por um advogado do doleiro. Aceitou e o inocentou em juízo. A investigação contra a mão peluda foi arquivada pela PGR apesar das evidências de crime. Se não fosse um membro do MPF teria ido para o calabouço. Dois pesos e duas medidas.
Outro corsário da embarcação lavajatista foi o primeiro demitido pelo CNMP. Diogo Castor pagou outdoors ilegais para enfunar as velas impuras de Curitiba, que abusou das marolas ilícitas para acusar arbitrariamente os alvos previamente selecionados. Outros 11 tripulantes da Lava Jato, alojados nos rebocadores cariocas, estão respondendo a um processo administrativo no Conselho Nacional do Ministério Público. Por 8 votos a 3, os conselheiros entenderam que há elementos para apurar a divulgação de informações sigilosas contra investigados, de modo alimentar o tsunami mortal da publicidade opressiva, bandeira que mais tremulou na frota comandada por Moro. O relatório do caso, elaborado pelo corregedor-nacional Rinaldo Reis, sugeriu a baixa definitiva – demissão – dos 11 procuradores.
Há um oceano de crimes muito graves envolvendo o oficialato da Lava Jato além dos vazamentos seletivos. Um dos mais estarrecedores, revelados nos diálogos da operação “Spoofing”, registra uma manobra para canhonear um partido político. O mestre do navio, Dallagnol, conspirou com o procurador Athayde Ribeiro da Costa para enxertar acusações na delação de Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobrás: “Pensando aqui, tem o custo político de atacar o PP e não PT”.
No dia 3 de janeiro de 2015, engraxando a casa de máquinas mais suja do mundo jurídico, manejando o timão dos “custos políticos”, a guarda costeira da lei em Curitiba explicitou o total desprezo à ordem jurídica, ao Estado Democrático de Direito, às instituições, aos investigados e ao país. Deltan Dallagnol escarneceu de maneira marginal e debochada: “Abaixo a República kkk”. Ela quase naufragou nas mãos de golpistas de Bolsonaro.
O leme da Lava Jato, operação afundada há 1 ano, foi inspirado em monarquias inquisitoriais, dos tempos dos galeões, afogando as leis, sufocando a presunção da inocência, asfixiando o Estado Democrático de Direito e banalizando expedientes arbitrários. Entre eles as prisões para delatar, a publicidade opressiva, o abuso de coercitivas e outros excessos rotineiros.
A Lava Jato foi por anos um Estado paralelo, saqueando, como piratas, a república, a federação e a democracia através do sequestro do sistema Judiciário. Os diálogos entre Sérgio Moro e sua “equipe do MP” no píer lodoso da operação exala delitos graves. As violações de Sérgio Moro e dos corsários do Parquet, além de repugnantes, expõem ilegalidades que envolvem denunciação caluniosa, fraude processual, falsidade ideológica, prevaricação e outras. Como foras da lei, acinzentaram o horizonte, poluíram as águas, explodiram a economia e envenenaram a democracia. Quem semeia o vento colhe tempestade.