O presidente Jair Bolsonaro parece querer tirar o seu da reta. É uma interpretação, pois ele estaria a perceber que o coronavírus vai produzir um desastre econômico mais duradouro e os custos políticos serão muito maiores que as baixas e os prejuízos da crise sanitária.
Seguindo a máxima do camponês de que, numa manada, o boi que chega primeiro à fonte é o que bebe água limpa, o chefe do governo está fixando a imagem de que somente ele está preocupado com emprego, renda e outros danos que vêm na esteira da pandemia. Ficar longe da hélice é uma boa colocação.
É uma atitude esperta. Se a gestão da crise sanitária tiver êxito, os danos em vidas serão pequenos, nada que possa deixar um rastro de mortes, como está se falando.
Entretanto, a crise econômica vai ser duradoura. Não se recuperam empresas falidas, negócios arruinados, empregos extintos e equipes desfeitas de uma hora para a outra.
E somente assim as atividades poderão ser restabelecidas e tracionarem a economia, em toda sua complexidade, para os níveis do primeiro biênio do governo Dilma Rousseff. Bolsonaro herdou uma economia arruinada, imóvel, empobrecida, que vinha perdendo fôlego desde 2013.
Falta experiência
Outro fato a ser observado é o arranca-rabo do presidente com os governadores dos dois maiores estados da federação, São Paulo e Rio de Janeiro. Natural, todos são candidatos a subir a rampa do Palácio do Planalto.
Um terceiro postulante, o governador do Distrito Federal, parece ter jogado a toalha. Chefe de um governo sem receita, dependente da União, Ibaneis Rocha não pode ir muito longe nessa briga de cachorro grande, sob pena de ser duramente retaliado.
Com os Bolsonaro não se brinca. Na plenária do dia 25 de março, Ibaneis, habilmente, ficou de fora. Melhor não cutucar a onça com vara curta, pois pode sair arranhado (ou engolido pela bichana).
Esta briga inesperada de governadores e presidente aliados é incomum, própria de marinheiros de primeira viagem. Todos os envolvidos nessa celeuma são executivos de primeiro mandato (João Dória completa no governo do estado uma prefeitura deixada pela metade; Wilson Witzel está em sua primeira disputa eleitoral; e Bolsonaro sempre foi um outsider do baixo clero da Câmara, sem partido fixo).
Até a primeira década de 1990, do presidente Fernando Henrique em diante, o padrão histórico era de que todos os presidentes da República eleitos (e também os ditadores civis ou militares) foram governadores ou generais do Exército, ou seja, homens experimentados. Collor foi o último. Daí em diante, nenhum outro seguiu o modelo. FHC era um acadêmico aposentado, Lula da Silva sindicalista e Dilma Rousseff funcionária burocrata do PDT gaúcho.
Vices aliados
No universo dos vice-presidentes, depois da redemocratização de 1945, o modelo era de políticos de partidos aliados. Café Filho era do PSP num governo do PTB/PSD; João Goulart era de um partido de oposição, o PTB, ao lado do presidente eleito, Jânio Quadros, da UDN/PTN; José Sarney do PFL, num governo do PMDB; Itamar Franco, dissidente do PMDB, eleito pelo PTN; e Michel Temer, MDB, num governo do PT.
A regra continua. O general Hamilton Mourão é do PRTB, eleito num governo do PSL. Na República Velha, todos os vice-presidentes vieram dos partidos republicanos. A composição era regional, café com leite, São Paulo e Minas Gerais. Quando os vices assumiam não provocavam qualquer ruptura.
Lula x Bolsonaro
Nessa contenda entre os paulistas Bolsonaro e Doria, faz parte da disputa eleitoral entre os dois um rescaldo da crise do coronavírus. Para o presidente da Republica seria de boa oportunidade o adiamento das eleições municipais deste ano. Com isto, o capitão ganharia tempo para participar do pleito municipal com seu partido Aliança pelo Brasil, que não conseguiu cumprir as exigências da Justiça Eleitoral para se registrar a tempo das eleições de outubro.
Os tumultos da crise sanitária seriam uma boa desculpa para levar o pleito para 2022. Com isto, ele não sofreria o desgaste de assistir uma eleição como espectador, o que não é bom para nenhum candidato.
Seja como for, Bolsonaro é um candidato temível, como teria sido Lula em 2018. Seus adversários rezam para que uma manobra de “tapetão” possa tirar o presidente do páreo, tornando-se inelegível. Nesse caso, ele provaria do mesmo veneno que tirou da corrida seu arquiadversário.
O vice é quem assume
Há, contudo, um cenário equivocado que vem sendo especulado por muita gente boa, inclusive políticos e analistas consagrados. Segundo essas interpretações, o vice-presidente teria de convocar novas eleições em caso de vacância antes do final do segundo ano do mandato do presidente.
A fórmula seria simples: deposto o titular antes de completar dois anos de mandato, o vice-presidente assume o cargo com dever de convocar eleições em 60 dias. Neste caso, as forças políticas concordariam em reeleger como candidato único o vice-presidente em exercício Hamilton Mourão para cumprir o final do mandato de dois anos.
Como já teria uma reeleição no cargo, também seria inelegível. Assim, o atual vice presidiria o pleito de 2022 com sua isenção e respeitabilidade de general do exército, deixando o campo livre para os políticos tradicionais voltarem a campo.
Sonho de uma noite de verão. Caindo Bolsonaro, Mourão assume para completar o tempo e, mais ainda, poderá ser candidato à reeleição, como tem sido comum entre governadores e seus vices. Basta olhar os artigos 79 a 81 da Constituição.
“Artigo 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente; Artigo 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Artigo 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga”.
Nova eleição, só se faltarem os dois ao mesmo tempo, presidente e vice, como prescreve a Constituição. “Artigo 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores”.
Desfeita a confusão, a falta de uma base política para o general Mourão é que não o coloca como uma ameaça concreta em 2022, mesmo se ele for candidato à reeleição e tiver o apoio da máquina para sustentar sua imagem de campanha. Isto explicaria o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que poderia catalisar o caudaloso veio do eleitorado da direita. Só falta combinar com os russos.