Na África, FAO implementa inclusão digital para pequenos agricultores

O "Agriculture Services and Digital Inclusion in Africa", da FAO, visa, por meio da inclusão digital, incrementar a agricultura familiar

A adoção de um aplicativo de mídias sociais foi a maneira encontrada pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para chegar com seus programas de apoio aos pequenos agricultores da África de uma forma mais direta. Pelo telefone celular, a FAO desenvolveu um sistema de comunicação, nas línguas nativas de cada povo africano, com orientações sobre o plantio, condições climáticas, combate às pragas das plantas, embalagem e transporte da produção aos mercados consumidores, preços atuais praticados, além de orientações para uma dieta alimentar saudável.

A ferramenta, que faz parte do Projeto “Agriculture Services and Digital Inclusion in Africa” deve mudar a vida de milhares de pequenos agricultores por dispor de informações que lhes permitem tomar decisões e trabalhar com melhores resultados de produção e renda. Com 1,27 bilhão de habitantes, cerca de 60% está na área rural, e a agricultura é a principal atividade de metade da população.

A lavoura na tela do celular

O projeto piloto foi iniciado no Senegal e Ruanda, a partir de 2017, por determinação direta do então diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, ex-ministro de Combate à Fome e a Miséria do Governo Lula.

O brasileiro José Graziano da Silva

Atualmente, o aplicativo dispõe das seguintes ferramentas: calendário agrícola por região e produto com as datas adequadas para plantio, baseado em acurada previsão meteorológica; orientação para alimentação dos rebanhos em conjunto com medidas para a identificação, prevenção e cura de pestes das distintas espécies animais; informações sobre preços de compra e venda de produtos agrícolas e animais nas feiras e mercados de distintas regiões do município/estado e orientações sobre colheita, embalagem e transporte dos produtos a fim de garantir a melhor qualidade do produto além de evitar perdas.

Um Sistema Internacional de Monitoramento de Pragas faz a identificação e alerta precoce para mapeamento da lagarta (FallArmyWarm) com informações recebidas diretamente dos agricultores através de seu celular. Brevemente, a colaboração entre a FAO e a Universidade da Pensilvânia (USA) permitirá identificar cerca de 17 tipos de pragas com orientação das respectivas medidas preventivas e/ou combate. Isto é feito com recurso de IA (inteligência artificial) a partir de fotografia do formato da mordida nas folhas das plantas.

Combate à desigualdade digital

Todos estes recursos e novos em desenvolvimento tem como referência e cenário (persona): a) um pequeno agricultor de país em desenvolvimento b), com carência de assistência técnica e serviços de extensão, necessitando c) transitar da agricultura de subsistência para uma produção de excedente para mercado, d) escassa renda, e) informação pouco atualizada, f) alfabetização formal precária, g) atividade produtiva pouca atraente incapaz de conter o êxodo rural, principalmente familiar (filhos jovens), h) necessidade de atividade complementar para incrementar renda com subemprego esporádico em região urbana próxima contribuindo assim para a chamada feminilização da agricultura.

Nunca é demais recordar que, entre as principais causas da desigualdade digital na área rural, estão: a) informações escassas e parciais para apoio à atividade agrícola, b) baixo grau de alfabetização, c) ausência de familiaridade com as novas tecnologias digitais, d) carência de internet e redes de qualidade além de serviços com preços muito altos e, a meu juízo, a principal, e) ausência de conteúdos de apoio à agricultura familiar, com linguagem compreensível , de fácil comunicação e útil.

Adaptação à localidade

Assim, são diretrizes constituintes do projeto a articulação com os governos locais e nacional, participação direta de agricultores e suas entidades, soluções técnicas “agnósticas”, isto é, adaptadas para distintos equipamentos/dispositivos, mensagens básicas (e curtas) usando tanto texto quanto voz, adaptadas tanto para smartphone como para celulares simples e , evidentemente, integração com outras mídias locais.

O projeto se propõe combinar uma estrutura que permita uma universalização nos conteúdos e desenvolvimento lógico das informações com uma objetiva necessidade de ser adaptado às distintas realidades e necessidades locais, do específico calendário agrícola a práticas culturais ancestrais.

O aplicativo é um suporte tecnológico às políticas públicas de apoio e fomento à produção e distribuição de alimentos. Assim, não é um “plug and play” e basta. Exige decisões periodizadas, prioridades, sequências claras de informações que podem ser tanto gerais como diferenciadas regionalmente e perfis produtivos diferenciados.

O projeto também exige equipe dedicada, clara definição de responsabilidades de seus integrantes. Uma sala de situação (mesmo virtual) é um ponto nevrálgico para o sucesso do projeto.

Nada disto será suficiente se não atender à uma necessidade real e assumida tanto pelos agricultores locais quanto pelos serviços públicos e privados das cadeias produtivas locais.

  • Cezar Alvarez, economista, funcionário da FAO em Roma (2015-2019) e coordenador de Desenvolvimento e Implantação do projeto Agriculture Services and Digital Inclusion in Africa
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