Com medo de virar uma “rainha da Inglaterra”, sem poder para comandar as Agências Reguladoras, o presidente Jair Bolsonaro entregou os brasileiros às “mãos invisíveis” dos “Jacks” que estripam os consumidores tupiniquins.
Os vetos do presidente a pontos essenciais do Marco Legal (Lei 13.848/2019), provocaram reações de desagrado até mesmo entre os senadores da base governista, e não é para menos. Foram seis vetos que atingem o que os parlamentares consideram o coração da lei: a autonomia das agências e o combate à corrupção.
Bolsonaro vetou o item que tornava obrigatória a prestação de contas periódicas dos diretores das 11 agências ao Senado federal, como já faz, por exemplo, o presidente do Banco Central. Cortou fora também a quarentena de 12 meses entre a saída de um executivo de uma empresa e a entrada deste mesmo executivo para a agência que regula o setor.
A proibição de recondução dos dirigentes também foi retirada. Assim, eles podem ser mantidos nos cargos enquanto agradarem o chefe.
Para garantir a subordinação das Agências ao governo, o presidente retirou também a possibilidade de autonomia orçamentária. E para deixar claro que quem manda é ele, simplesmente limou a implantação de lista tríplice para a escolha dos candidatos à presidente.
A assessoria do Palácio do Planalto justificou o veto à lista tríplice alegando que tal regra restringiria “a competência constitucionalmente conferida ao chefe do Poder Executivo”. Mas, com sua sutileza tradicional, Bolsonaro acusou os parlamentares de estarem querendo tornar privativo do Congresso as indicações para as agências reguladoras.
Alhos por bugalhos
Aqui mora a principal confusão. Bolsonaro entendeu que a lista tríplice seria feita por parlamentares quando, na verdade, a lei previa uma lista elaborada por uma comissão criada pelo presidente da República para selecionar, no mercado profissional, três candidatos tecnicamente habilitados para a função.
Os nomes seriam entregues ao presidente, que escolheria um. Seria uma espécie de comissão de caça talentos para analisar currículos e entregar os melhores ao presidente, como existe, por exemplo, no Chile que o ministro Paulo Guedes tanto tenta copiar na Reforma da Previdência.
A senadora Simone Tebet, uma das relatoras do projeto, subiu à tribuna para pedir a Bolsonaro que não vetasse a medida. Chegou a afirmar que a equipe jurídica do presidente o teria levado a um equívoco e o induzido a erro na decisão dos vetos.
Opinião compartilhada pelos senadores do PSD Nelsinho Trad e Arolde de Oliveira, ferrenhos aliados do governo. Mas o senador Randolfe Rodrigues, da Rede, foi mais contundente e escancarou que o veto só interessa a quem quer manter a política do toma lá dá cá nas indicações para as agências, característica de relações de poder classificadas como promíscuas no meio político-social.
A força da grana
Discussões à parte, é preciso lembrar que as agências foram criadas no governo Fernando Henrique Cardoso para regular a atuação das empresas que estavam recebendo a concessão de serviços públicos privatizados por ele, como a telefonia, a energia elétrica, a aviação e a saúde. Elas deveriam proteger o cidadão contra o abuso da força econômica pelos grupos privados oligopolistas que substituíram os monopólios públicos.
Seriam uma forma de a sociedade regular os serviços que o governo se eximiu de prestar, embora cobre enormes impostos dos usuários. Mas, como me disse um dos criadores dessas autarquias, o advogado especializado em direito da concorrência e ex-presidente do CADE, Ruy Coutinho, as agências foram capturadas pelas empresas que deveriam regular e hoje são subservientes a elas.
Um exemplo disso foi a decisão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que criou uma participação obrigatória dos pagantes de planos de saúde nos custos dos serviços utilizados, decisão posteriormente revogada pelo Supremo Tribunal Federal.
Outra decisão que mostra a força da grana e do poder de controle dos grupos econômicos sobre as agências foi a autorização que a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) deu às empresas de aviação para a cobrança pelo transporte de bagagens às quais os passageiros sempre tiveram direito. A ANAC autorizou a cobrança com a justificativa de que ela reduziria os preços das passagens. Mas o que aconteceu na sequência foi o aumento destes preços.
Sem socorro
As agências são vinculadas aos ministérios dos setores nos quais elas atuam, portanto ao governo. Mas, teoricamente, não são subordinadas diretamente a eles. Foram criadas assim exatamente para manterem a independência política em relação aos ocupantes momentâneos do poder.
Assim, poderiam proteger os cidadãos contra o domínio das empresas e, às vezes, até mesmo contra ações de governantes com ligações político-eleitorais pouco republicanas com determinados setores econômicos.
O Marco Legal das Agências Reguladoras reforçaria essa posição de independência, mas os vetos de Bolsonaro colocam definitivamente as reguladoras no colo dos empresários dos setores que elas regulam e as deixam completamente abertas a toda sorte de indicação e desmandos da velha política, que ele tanto dizia combater.
* Antônia Márcia Vale é jornalista formada pela Universidade de Brasília. Cresceu acompanhando a política e economia na capital do país e fez desse gosto o seu ofício