O manual da boa política recomenda que todas as medidas necessárias, mas impopulares devem ser apresentadas ao Congresso no primeiro ano de governo, de preferência ainda no primeiro semestre. É a janela de oportunidade para aprovação de reformas. O presidente eleito está em lua-de-mel com a sociedade, o Congresso está em busca de espaço para ocupar dentro do governo e, por fim, ainda dá para por a culpa dos problemas nos erros do antecessor.
No segundo ano, com as eleições municipais, a situação já começa a se complicar. O apoio do Congresso vai inflacionando, a população vai perdendo a paciência e a chamada herança maldita já não pode mais ser usada como desculpa. Do terceiro ano em diante as coisas só se agravam. Se a popularidade do presidente estiver em alta, ele até consegue aprovar pautas de interesse do governo. Caso contrário, vira pato manco como Temer e Bolsonaro, que ficaram presos nas mãos do Legislativo.
O presidente Lula sempre foi um craque no jogo político. Conseguiu manter a popularidade em alta e o apoio do Congresso mesmo diante da maior crise enfrentada durante o seu primeiro governo, quando Roberto Jefferson denunciou a existência do Mensalão. Reverteu o jogo a seu favor e, além de se reeleger, deixou o segundo mandato com a popularidade em alta, conseguindo eleger Dilma Rousseff, um poste que nunca havia disputado nenhum cargo eletivo antes.
Em seu terceiro mandato, no entanto, a situação tem se revelado diferente, sobretudo em relação ao Legislativo. O governo já perdeu todo primeiro trimestre e não conseguiu aprovar nenhum projeto de impacto. Ao contrário, somente esta semana sofreu duas derrotas no Congresso Nacional. A primeira foi a retirada de pauta do projeto da fake news que deveria ter sido votado na última terça-feira (2). Por falta de votos, o próprio relator, deputado Orlando Silva, pediu para a matéria não ser votada.
O segundo contratempo veio logo na sequência com a derrubada, por 295 votos a 136, do decreto de Lula que mudou o Marco Legal do Saneamento. Além da falta de articulação, essas derrotas revelam as dificuldades do governo em formar uma base consistente para aprovar pautas de interesse do governo.
Outro ponto de preocupação para o Executivo foi a instalação de quatro CPIs simultaneamente que vão investigar os seguintes temas: o colapso financeiro das Americanas; a atuação do MST; o esquema de fraude nas apostas em partidas de futebol no Brasil; e os ataques do 8 de janeiro.
Dessas, a do MST é a que mais tem potencial para criar problemas para o governo. A do 8 de janeiro pode ajudar a manter os ânimos acirrados no parlamento, mas não chegará a ser propriamente um entrave. De qualquer modo, quem conhece o Legislativo sabe que CPIs costumam atrapalhar o andamento das pautas de votações e inflacionar o apoio ao governo.
É verdade que o Congresso eleito no ano passado é o mais conservador dos últimos anos. E isso é um problema para um governo de esquerda. Mas é verdade também que o PT e seus aliados, quando não o próprio Lula, têm contribuído e muito para esses tropeços.
O MST é um exemplo de como os aliados podem atrapalhar o governo mais que a própria oposição. As invasões de terras e ameaças feitas pelo movimento têm dificultado a aproximação do agro – um dos setores mais fortes da economia brasileira – com o governo Lula. A invasão de uma fazenda de eucalipto da Suzano, na Bahia, e de uma área de preservação ambiental e de pesquisas genéticas da Embrapa em Pernambuco, pelo MST, foram atitudes rejeitadas também pela sociedade, que não aceita mais esse tipo de método de pressão.
Dentro do próprio partido do presidente há ataques que podem prejudicar de forma irreversível a governabilidade. O alvo da vez é o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, constantemente enxovalhado quando não diretamente pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, por seus prepostos. A proposta de arcabouço fiscal tem sofrido muito mais críticas por parte dos petistas do que dos próprios bolsonaristas.
Por fim, o posicionamento de Lula em relação à política internacional – não só sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia-, mas no apoio ao desgastado presidente da Argentina, Alberto Fernández, tem despertado desconfiança por parte do PIB, que não quer ver o dinheiro brasileiro investido em países “amigos” que penduram a conta no bolso do contribuinte brasileiro.
A sorte de Lula é que seu maior adversário, o ex-presidente Bolsonaro, anda ocupando os noticiários com suas trapaças e trapalhadas, seja na tentativa fracassada de golpe, seja tentando forçar o contrabando de joias da Arábia Saudita, ou, mais recentemente, com a falsificação do cartão da vacinação. Assim, nem dá tempo da população reparar nos problemas do atual governo.
Por enquanto…