Enquanto milhares de brasileiros eram castigados ou mortos pelas chuvas, o capitão-calamidade flanava de moto aquática e se divertia em parques de Santa Catarina, implorando para a vadiagem não ser interrompida por rajadas incômodas ou por deveres que o cargo de presidente da República lhe impõe. O desdém com a vida alheia não surpreende. Ele escarneceu sobre as mais de 620 mil mortes durante a pandemia que se recusou a administrar. “E daí?”.
O desprezo com as vítimas das enchentes e o boicote à vacinação infantil inundarão a bacia da reprovação de uma gestão atolada. Desde maio de 2021, o ruim e péssimo transbordou e manteve-se muito acima do leito normal, subindo de 48% para 53% em dezembro, na média das pesquisas. Na outra margem, nuvens carregadas. A avaliação de ótimo ou bom, também pela média, afundou mais de 6 pontos entre maio e dezembro. A perenização dos baixos índices de aprovação, aferidos por vários pluviômetros eleitorais, mostra a reeleição fazendo água e Bolsonaro afogando em números, cada vez mais distante do resgate.
As medições eleitorais, em que pese previsíveis minimizações, são um alerta realista dos humores, do volume das intenções de votos e dos níveis de apreensão da população, perplexa com a psicopatia do mandatário. Desde o início de 2021 até agora já foram realizadas 50 sondagens para capturar o melhor retrato do reservatório sucessório e a análise dos riscos dos pretendentes.
Muitas pesquisas – elas não são baratas – são patrocinadas por quem nada em dinheiro, como instituições financeiras, entidades patronais e por outros institutos tradicionais como o DataFolha e IPEC (ex-Ibope). A depender da metodologia, das condições climáticas, da densidade das nuvens, da abrasividade dos ventos e outras variáveis (campo, questionário e entrevistados), elas apresentam oscilações, até agora pequenas. As sondagens são convergentes e configuraram um horizonte eleitoral estável a partir do início de maio, o mês que a CPI da Pandemia iniciava a erosão da falsa imagem do capitão. O assoreamento civilizatório, as degradações institucionais, econômicas, sanitárias, ambientais e sociais vão soterrando o flagelo Bolsonaro milimetricamente.
A média numérica das 50 pesquisas já aplicadas até aqui apresenta similitudes, independente das variáveis de cada uma delas. Em todas as sondagens o candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, respira na parte alta das previsões e lidera com folga. A partir de julho, quando o petista atingiu 40%, na média das pesquisas, há uma estabilidade nas intenções de voto declarados ao ex-presidente em torno deste percentual.
O segundo colocado, com a curva morro abaixo e sujeito a novos deslizamentos, é Bolsonaro. Desabou de uma média de 34% em abril/2021 para 27% em dezembro. A precipitação de votos por milímetro para terceira via permanece rarefeita. A previsão é de uma estiagem incontornável. Segue sendo uma miragem e não uma realidade competitiva.
Os candidatos iluminados por este raio fosco, somados, não ultrapassaram o segundo colocado desde abril/2021. Adotando a média das pesquisas, a soma de todos eles alcançou uma descarga máxima de 23% dos votos em outubro de 2020, quando Bolsonaro registrava 29 pontos e Lula 40. Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, empreiteiros do projeto de alagamento do Estado brasileiro e do aterramento da Democracia, são os que boiam em rejeições superlativas.
Um dos dados mais caudalosos das pesquisas é o percentual de votos espontâneos atribuídos ao PT. As intenções de voto no pré-candidato do Partido dos Trabalhadores ultrapassam o piso histórico de largada da legenda em eleições presidenciais. No arenoso solo político, o bordão de que o PT sempre larga com 30% da preferência é tão certo quanto a estação das chuvas. Preso ilegalmente por 580 dias e inocentado por 2 decisões do STF, que considerou Sérgio Moro parcial e incompetente, Lula está consolidando a liderança com uma avalanche de votos nas manifestações espontâneas.
Na última rodada do IPEC, o petista foi o mais citado por 40% dos entrevistados, o dobro de Bolsonaro. Os refugos eleitorais – soçobrando na terceira via – foram mencionados por apenas 2%, 1% da população ou ignorados. Em dezembro de 2017, Lula tinha 17% de manifestações espontâneas contra 11% do capitão. Em dezembro de 2005 Lula registrava 20% dos votos espontâneos contra 7% de José Serra. É um número deliberadamente nublado nas análises que torcem e distorcem na tentativa de resgatar, a fórceps, um nome alternativo.
A terceira margem é um alagadiço de nomes, todos represados pelo eleitor. Na triagem já foram testados muitos voluntários: Luciano Huck, Luiz Henrique Mandetta, Rodrigo Pacheco, Simone Tebet, Ciro Gomes, João Dória e Sergio Moro, que vem recebendo uma assimétrica irrigação de setores da mídia. A maioria dos nomes da terceira via está contaminada pelas águas infectas do bolsonarismo. O mergulho formal de Sergio Moro na campanha pouco alterou a hidrografia eleitoral. Moro drena poucos alagados do bolsonarismo sem ameaçá-lo.
Acossado pelas delinquências na república de Curitiba e sem decolar, Moro se vê ilhado e já mira o colete salva-vidas para nadar até o foro privilegiado, que antes alegava ser o porto seguro da impunidade. Como empoçamento atual, o desvio de curso pode ser o Senado. Moro não é um componente da topografia democrática. É uma calamidade jurídica, política e pessoal, adepto de comportas ilícitas e adutoras fascistas.
O ex-juiz que assessorou corruptores e se apresenta como socorrista da ética “perdoou” o colega Onyx Lorenzoni por Caixa 2, fez vistas grossas para os inexplicáveis cheques da primeira-dama, fingiu não ver os milicianos, o esquema criminoso do Queiroz e as graves acusações contra os filhos de Bolsonaro. Também ignorou o assassinato de Marielle Franco. Com tais antecedentes, pretender ser o paladino da moralidade é cinismo. Não passa de um dejeto impuro boiando nas águas da democracia.
Na enxurrada de transgressões, Sérgio Moro já confessou o vazamento ilícito das conversas da ex-Presidente Dilma Rousseff com o antecessor, a infiltração ilegal para grampear advogados de defesa dos alvos que ele próprio selecionou para condenar, atuou em férias para sustar a soltura de Lula – exaurida sua jurisdição – e interferiu na eleição de 2018 decretando o fim ao sigilo da delação fajuta de Antônio Palocci para favorecer Bolsonaro, de quem se tornou Ministro da Justiça. O curso tortuoso de Moro é o afluente poluído do transbordamento da ilegalidade na Lava Jato.
Diálogos mostraram Moro coordenando a força-tarefa de Curitiba, sugerindo inversão de fases da operação, escalando procuradores para audiências, ditando notas ao MP para desacreditar o “showzinho” da defesa, blindando políticos de sua preferência e indicando fontes para avolumar a acusação. Moro encarnou as figuras de acusador, investigador e juiz, corrompendo a todos. O curso das águas pode devolvê-lo à Bacia da Prata e ao rio Paraná. Moro é uma chuva ácida que que entope a democracia.
Os fatos, admitidos ou negaceados, mostram que Sérgio Moro é pernicioso. Substituir Bolsonaro por ele seria trocar seis por meia dúzia, represando águas podres e impedindo que elas se purifiquem. Em 2004, ainda mergulhado no anonimato, Moro desviou a nascente democrática para assorear o Direito em um artigo enaltecendo a operação “Mãos Limpas”. Um dilúvio contra do Estado Democrático de Direito com resíduos poluentes: presunção de inocência pode ser relativizada para encarcerar indefinidamente, a prisão preventiva deve ser usada para forçar delações e deslegitimar a classe política e pregou a publicidade opressiva, vulgarizada na Lava Jato para antecipar a culpa.
No governo, abriu o guarda-chuva para proteger delinquentes, ouviu calado seu colega pedir a prisão de ministros do STF, escancarou os escombros do fascismo como a licença para matar, a prova ilícita de boa-fé e conspirou contra a Lei que pune o abuso de autoridade e o juiz de garantias. Hoje amaldiçoa as águas que abençoou e na qual foi imerso em seu batismo político, o rio encharcado de sangue, fezes e fome do bolsonarismo. As pesquisas mostram que o aguaceiro antidemocráticos secou.
Um dos cruzamentos das previsões eleitorais revelou que 21% dos eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 já migraram para o bote petista e apenas 12% pretendem se abraçar ao náufrago Moro. A mesma sondagem mostra que Bolsonaro conserva apenas 48% dos eleitores do último pleito. Os números das pesquisas são tóxicos para o pior presidente da história do Brasil. As rejeições são trombas d’água devastadoras. No último levantamento do IPESPE, 62% afirmaram que não votariam no capitão de jeito algum. É um número que vai se mantendo estável em outras sondagens.
O percentual de entrevistados que votariam “com certeza” vem adernando e baixou a 24%. Somadas a intenção de votos (24%) e a rejeição (62%), são 86% dos pesquisados. Restam apenas 14% e, na hipótese improvável, de agregar todos 14% eleitorado, totalizaria 38% das intenções de votos. Seriam 6 pontos abaixo dos votos declarados em Lula na mesma pesquisa, 44%. Bolsonaro procura um jeito de desidratar Lula que já passou por um desgaste extremo e ainda conserva uma caudalosa liquidez eleitoral.
As pesquisas indicam ainda que a economia é a área de maior risco de afogamento do Bolsonarismo. Na sondagem feita pela CNT/MDA em dezembro do ano passado, a maioria esmagadora apontou a inflação dos alimentos, combustível e energia elétrica como principais aluviões. A substantiva redução do poder de compra, comparando-se a gestão atual com a do ex-presidente Lula, é vista como os temas prioritários para a economia e para os debates eleitorais. A geração de empregos, efetividade no controle da pandemia, controle da inflação e até a redução do valor do dólar estão no radar sensível dos eleitores.
Aí residem os maiores danos causados pela ausência de prevenções, previsões e planos de contingência do bolsonarismo. Duas barragens sólidas estouraram diante da inação e a incapacidade do governo: a economia e a vacina. O desemprego explodiu, o PIB caiu, a inflação subiu, o real desmilinguiu, a dívida cresceu, a fome reapareceu e chafurdamos nas águas estagnadas da recessão. Na pandemia mais de 620 mil mortes pela condução negacionista, antivacina para adultos e crianças, pró-cloroquina e corrupção na compra de imunizantes. Após o desastre, a tampa do bueiro foi sugada e o esgoto recende, malcheiroso.
Bolsonaro implora por uma corda de salvamento a fim de evitar ser arrastado pela correnteza de lama, lodo e mortes que ele produziu. O isolamento, disfarçado pelo orçamento secreto no acampamento temporário do centrão, é indisfarçável. Nos naufrágios os ratos abandonam o navio. Dilma e Collor de Mello o sabem. Por isso ele também já desenha uma área de refúgio para se proteger do vendaval que se prenuncia. Um dos diques projetados seria desistir da reeleição para disputar o mandato de Senador em Santa Catarina. Lá se sente protegido das brigadas democráticas. Depois de se esbaldar com dinheiro público, encurtou a farra no balneário em razão de uma obstrução intestinal. Só se preocupa com a própria evacuação. O mais despreparado, desumano, tosco e infame de todos os presidentes, o rei da titica, voltou a boiar na falsa vitimização. É chover no molhado. As vítimas reais são as que ele desdenhou na pandemia, nas enchentes, no desemprego, na miséria e na fome.
No paraíso fecal em que se transformou o Brasil nos últimos 3 anos, “merda” é um dos vocábulos prediletos das fossas bolsonaristas. Além das obsessivas analogias anais e outras parábolas escatológicas, o capitão é adepto dos palavrões. Quando não está falando “merda” está obrando uma ou entupido por ela. “Cocô dia sim, dia não”, pontificou o mestre do desarranjo e da flatulência. “Caguei”, mentiu sobre a CPI. “Eu prefiro esse imposto de merda”, adubou Paulo Guedes sobre a CPMF. A Globo, a imprensa em geral, também é “merda”. Olavo de Carvalho, guru da cloaca, ameaçou derrubar a “merda de governo” e Romário, justificando o apelido de “baixinho”, falou que o país era uma “merda” antes de Bolsonaro. As palavras e as obras dos devotos da latrina estão coletadas no ralo da deterioração. Bolsonaro, egresso dos esgotos, fede. Fede a morte, a tortura, a milícia, ao nazismo, ao golpe, a corrupção e as trevas. Está afogando em números e asfixiando em excrementos, que o gato enterra e a história soterra.