Nas paletas coloridas do cinema pelo mundo a liberdade é azul, a igualdade é branca, a fraternidade é vermelha e há 50 tons de cinza. No documentário Brasil a vergonha é verde, verde-oliva. Pelos dados do Tribunal de Contas da União perto de 6 mil quepes rebaixaram suas patentes, desprezaram a Nação e expuseram as Forças Armadas ao enxovalho em nome de uns trocados a mais no soldo daqueles que se engajaram no caos generalizado e mortal da atrapalhada gestão do capitão.
Os expoentes máximos da inépcia, sinônimos do morticínio na pandemia e símbolos do desprezo pela vida têm as mesmas origens nas tropas verdejantes: o capitão Bolsonaro, expulso do Exército, o general de divisão Eduardo Pazuello e um perfilamento de outros generais igualmente despreparados. Pela incompetência verificada nunca deveriam ter passado de recrutas.
Depois da condução genocida no Ministério da Saúde, o número de casos e mortes explodiu no colo adiposo de Pazuello. Quando se alistou por lá em 15 de maio de 2020 eram 14,8 mil mortes e 218 mil casos de infecção. Ao passar o bastão, 10 meses depois, em 24 de março de 2021, eram 301 mil óbitos e 12,2 milhões de casos. Na chacina sem precedentes o caos foi generalizado. Em Manaus, o desabastecimento de oxigênio matou brasileiros asfixiados, enquanto isso 70 milhões de doses do imunizante da Pfeizer foram desprezadas pelo governo federal, que nem sequer houve deu respostas à empresa farmacêutica. O general também recuou, por subserviência acrítica, na compra de 46 milhões da vacina do Butantan. O general Pazuello foi rebaixado e humilhado pelo capitão para desfazer a compra. Saiu-se com um vexatório “um manda, outro obedece”. Se tivesse um mínimo de dignidade, deveria ter pedido baixa imediatamente.
Pazuello também passou por outras desonras ao ser sitiado pelo STF e obrigado a divulgar um plano nacional de vacinação, inexistente no auge da pandemia. O improviso da cavalaria se deu depois do adestramento judicial. Na solenidade do anúncio de um arremedo do tal plano, ao tentar escamotear o atraso brasileiro, novamente brilhou a estrela da parvalhice. “O povo brasileiro tem capacidade de ter o maior sistema único de saúde do mundo, de ter o maior programa nacional de imunização do mundo, somos os maiores fabricantes de vacinas da América Latina. Para que essa ansiedade, essa angústia?”. A triste verdade, que chora “no céu da pátria neste instante” é que o Brasil está na retaguarda da imunização com doses insuficientes e descontínuas. Somos um pelotão abandonado à própria sorte por alguns generais obtusos.
Em outra forma da desonra, o mago da logística ilógica desperdiçou uma fortuna para estocar cloroquina para anos. O medicamento é inútil para o tratamento da Covid 19 e tem graves efeitos colaterais. Além disso quase perdeu cerca de 7 milhões de testes em um país marcado pelo déficit de testagem. Os argumentos para justificar o entupimento dos paióis do Exército com a cloroquina são de soldado raso: “Nesse sentido, e dentro do que revela a experiência humana, não poderia ser exigível comportamento diverso do Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, senão a busca dos insumos necessários e pronto atendimento às prementes necessidades de produção da Cloroquina que, por seu baixíssimo custo, seria o equivalente a produzir esperança a milhões de corações aflitos com o avanço e os impactos da doença no Brasil e no mundo.” São milhares de comprimidos estocados por falta de demanda e com suspeitas de superfaturamento.
Chamado a prestar contas sobre sua gestão catastrófica à CPI do Senado que investiga a tragédia brasileira, Pazuello se acovardou.
Alegando respeito às recomendações de distanciamento social, que sempre ignorou, adiou o depoimento à CPI. Se cerca de advogados para procrastinar ou silenciar durante o depoimento. Ao ser convidado como testemunha, Pazuello, que é investigado em um inquérito aberto pela Procuradoria Geral da República, pode ficar sitiado a ponto de não conseguir preservar o capitão, responsável pessoal pela indicação de medicamentes ineficazes e atraso na aquisição de vacinas. Além de desprezar vacinas, Bolsonaro deu uma ordem para cancelar a compra dos imunizantes do instituto Butantan. ” Já mandei cancelar se ele [Pazuello] assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”, disse em 21 de outubro de 2020 assumindo a autoria de uma ordem irresponsável que custou milhares de vidas e pelas quais ele pode pagar muito caro.
A estratégia de Pazuello ao ingressar na fortificação da Saúde foi a camuflagem total. Desativou as entrevistas diárias, retardou a divulgação dos dados de mortes e contaminados e até mesmo tentou esconder nossas vergonhosas estatísticas. Como seus preceptores no golpe de 1964, quis ocultar os cadáveres. O STF enquadrou o general e mandou dar publicidade diária do balanço da Covid 19. Em uma das primeiras marchas públicas, na Câmara dos Deputados, derrapou feito sobre o clima, embaralhando o inverno das regiões brasileiras com o hemisfério norte. Depois se desinibiu em novos disparates. Disse ignorar o que era SUS e também o que foi o AI-5. As continências vassalas ao obscurantismo desabonaram a imagem do Exército, desmoralizaram a formação de seus oficiais e envergonharam as Forças Armadas. O céu da pátria não é mais risonho e límpido.
O então secretário de Atenção Especializada à Saúde, coronel Luiz Otávio Franco Duarte, despachou uma ordem unida para uso da cloroquina, remédio sem eficácia comprovada, rechaçado pela ciência e autoridades mundiais de saúde. Charlatanismo, curandeirismo e exercício ilegal da medicina estão no Código Penal. Élcio Franco, coronel aposentado, ex-número 2 da Saúde e agora na Casa Civil, desdenhava das vacinas e defendia o uso de cloroquina. Em um grupo de conversas, revelado pelo jornal “O Globo” chegou a dizer em 12/6/2020 que as mortes estavam caindo drasticamente devido do “protocolo Bolsonaro. É mesmo coronel, segundo testemunhou o CEO da Pfeizer, Carlos Murillo, que comandava as negociações da vacina, atrasadas em mais de 6 meses. Élcio Franco é presença certa nos desdobramentos da CPI.
Outro exemplo valoroso das nossas Forças Armadas é o ministro general Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil. Gravado em uma reunião que pensava ser reservada, o general disse que tomou a vacina contra a Covid-19 “escondido” e que tentaria convencer Jair Bolsonaro a se imunizar também: “Tomei escondido, né, porque a orientação era para todo mundo ir pra casa, mas vazou. Não tenho vergonha, não. Eu tomei e vou ser sincero. Como qualquer ser humano, eu quero viver, pô. Se a ciência e a medicina tá (sic) dizendo que é a vacina, né, Guedes, quem sou eu para me contrapor? Estou envolvido pessoalmente, tentando convencer o nosso presidente. Nós não podemos perder o presidente para um vírus desses. A vida dele, no momento, corre risco”. Difícil compreender a lógica da amarelada. Sabe que a vacina, renegada pelo capitão, é proteção da vida, mas ainda assim serve ao obscurantismo com subserviência. Fica a pergunta do general: quem é Bolsonaro para se contrapor à ciência e à vacina?
Ao fazer considerações sobre os expedicionários brasileiros na segunda guerra, o ministro da Defesa, General Braga Neto expediu uma nota que soou como ameaça: “A “cobra fumou” e, se necessário, fumará novamente”. Mesmo padrão do general Augusto Heleno na nota golpista de 22/5/2020: “O pedido de apreensão do celular do Presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável. Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do País. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Vergonha maior foi o avião presidencial servir para tráfico de cocaína nas barbas do general. Braga Neto também convocou a reunião para alterar a bula da cloroquina, segundo testemunhou o chefe da Anvisa à CPI.
A vergonha verde-oliva precisa ser pública e historiada. Ela extrapolou no depoimento biográfico do general Villas Bôas, que assumiu uma pressão ilegítima sobre STF. O ex-comandante do Exército narrou uma versão, segundo a qual, em abril de 2018, o Alto Comando teria tramado postagens com ameaças a Suprema Corte para não conceder um habeas corpus que poderia ter impedido a farsa da prisão do ex-Presidente Lula. A prisão se consumou por 6×5 votos e Lula foi riscado da cédula eleitoral, abrindo a trincheira do fascismo. O presidente do STF, Luiz Fux, disse ter uma mensagem do ex-ministro da Defesa desautorizando Villas Bôas: “foi declaração isolada do ministro Villas Bôas no momento de fazer sua biografia, não há nenhuma concordância das Forcas Armadas em relação a pressão sobre o Supremo”.
As Forças Armadas também passam vexame nos desperdícios do dinheiro público. Apenas em gastos supérfluos em 2020, o governo mastigou R$ 2,2 milhões com chicletes, torrou R$ 32 milhões com pizzas e refrigerantes e entornou R$ 15, 6 milhões em leite condensado para suas tropas. Um levantamento feito por deputados do PSB no orçamento mostrou que as Forças Armadas adquiriram 80 mil unidades de cerveja e 700 mil quilos de picanha. O estudo aponta um superfaturamento superior a 60%. No cardápio do rancho foram incluídos ainda bacalhau, uísque 12 anos e conhaque para o alto comando. Esses dados engrossam a farra de R$ 1,8 bilhões gastos para a ração da tropa. Os militares de pijama com função gratificada no governo ainda vão ganhar mais rompendo o teto constitucional (R$ 39,2 mil), como Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno. A autorização é de Paulo Guedes, que quer mais impostos, pobres fora da universidade e taxar livros.
A farda é uma farra também no nepotismo. A Casa Civil, ainda quando tocada pelo general Braga Neto, autorizou a nomeação da filha dele para uma gerência na Agência Nacional de Saúde. O recuo veio depois da granada nepotista explodir. A filha de Pazuello emplacou no governo do Rio. A filha de Eduardo Villas Bôas ganhou um posto na pasta de Damares. O filho do vice Mourão teve 2 promoções em 6 meses no Banco do Brasil. Carlos Bolsonaro comentou: “Nova promoção! Parabéns”. O comando é do próprio capitão: “Se eu puder dar um filé para meu filho, eu dou”. O erário é público, não doméstico.
As patentes no Brasil quase sempre foram sinônimo da morte. O “braço forte, mão amiga” armou os fortes na ditadura para disparar contra o próprio povo, maculando a história com sangue e infâmia. Entre os facínoras mais impiedosos estavam torturadores, os heróis de Bolsonaro: coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (chefe do DOI-CODI) e o major Sebastião Curió (responsável pela morte de 41 pessoas na guerrilha do Araguaia). Carniceiros que usaram suas divisas para patentear no Brasil os crimes contra a humanidade, transformando “o sonho intenso e o raio vívido de amor e esperança” em um funesto pesadelo.
O “braço forte” segue cultuando o pretérito macabro ao servir a um celerado que faz apologia à tortura e à morte. Hoje, a vergonha brasileira é de um verde-oliva, que vem mudando de tom e amarelando. Exceção ao depoimento do contra-almirante Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, que confrontou Bolsonaro na CPI, sem a subserviência de outros colegas fardados.