O esfarinhamento do Estado é uma receita recorrente entre os cardápios extremistas para salgar as democracias pelo mundo. Ele se dá através do esfarelamento das instituições, da homogeneização do mal, da banalização da violência, da facilitação do acesso às armas, da legitimidade do ódio, do fermento de polícias paraestatais e do desprezo à vida.
Nas cozinhas fuliginosas de Bolsonaro esse molho fascista recende enjoativo. Ele foi repugnante em dois quiosques, distantes 1,2 mil km entre si, mas conectados pela mesma simbologia, a que ferventa as panelas do esboroamento nacional por intermédio da mentira, da selvageria, da intolerância e da morte. Um animalesco e bárbaro: o espancamento até a morte do refugiado Moïse Kabagambe em uma barraca na Barra da Tijuca, residência de Bolsonaro e região com forte aroma da milícia. O outro farsesco e debochado, adubado em uma barraca em Brasília. A ceia do engulho, do despudor e do embuste recorrente do bolsonarismo.
A mentira, conserva envenenada de Joseph Goebbels, é um condimento insubstituível nas cocções tirânicas do Bolsonarismo. Atingiu um recorde de 7 fraudes diárias em 2021, apontou a agência “Aos Fatos”. A mentira temperou todas as demais maldições da mitomania: mortes, militarização, milícias, miséria e mamata. Bolsonaro, perdendo gás na disputa presidencial, optou por requentar o falso marketing dos sinais externos de pobreza da última eleição, quando se exibia com chinelão, pão com manteiga ou leite condensado e camisetas de futebol. O ingrediente da simplicidade fermentou uma aderência eleitoral de 39% de eleitores em 2018. Minoria, mas suficiente para ele aquecer o forno diabólico para esfarelar o Brasil, por ignorância, índole mefistofélica e perversidade.
Na simulação do despojamento, montou-se um cenário imundo para disseminar a alegoria da falsa simplicidade, com o propósito de angariar eleitores entre os famélicos, exatamente os mais castigados pela vadiagem incompetente do capitão. A fraude pretendia expor um homem do povo, comendo com as mãos um frango com farofa em um quiosque qualquer.
A trapaça só conseguiu mostrar um cavernícola rude, sem educação, esparramando sujeira com os detritos cenicamente espalhados pelo diretor da trapaça, o ‘chef’ do gabinete do ódio e da mentira, Carlos Bolsonaro. Não há homem simplório algum na foto, apenas a moldura pungente do Brasil atual. Uma Nação-quiosque, primitiva, abodegada, esfarelando os valores civilizatórios, gerida como uma barraca suja, triturada institucionalmente, granulada politicamente, emporcalhada socialmente, moída economicamente e tocada por criaturas rústicas e bestializadas, ou animais parcialmente humanizados. Bolsonaro come exatamente como governa.
O que sobressai na fotografia é a imundice, a desordem anárquica, manipulada para renegar a farofa antropológica do Brasil de outrora, aquela da mistura humanizada, da identidade social miscigenada, da interação generosa, da diversidade acolhedora e amistosa, da capacidade criativa e da cordialidade. O menu indigesto do bolsonarismo renega tudo isso. Mostra que tem os pobres na conta de quem é sujo e mal-educado. Os mais humildes gostam de ambientes limpos e se orgulham de educar os filhos com bons modos. Bolsonaro fervilha um caldo ácido, aniquilador, desagregador, belicista com o propósito de esfarinhar a nação através da entropia e da demolição: “Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”, admitiu o mestre-cuca da implosão institucional em março de 2019. No primeiro prato, o esfacelamento foi alcançado, infelizmente. Mas Bolsonaro não será convidado para avançar no segundo.
O capitão já testou inúmeros cardápios para macerar as instituições. Cozinhou um golpe, aqueceu enfrentamentos físicos, esmigalhou a transparência e conspirou para ralar os direitos e liberdades fundamentais. Saiu queimado, como bravateiro. A maionese da quartelada desandou e ele foi obrigado a abdicar de algumas iguarias tóxicas, mas segue como um canibal mastigando outros venenos e espalhando lixo. Escalda ainda a desarticulação da União, o extermínio do bem-estar, a tensão permanente, a terceirização dos fracassos, a polarização com a esquerda, o impulsionamento das milícias, o belicismo e a satanização do conhecimento e da ciência, antídotos contra a mentira. Usa as mesmas especiarias podres das degustações nazistas para granular a verdade em busca da adesão a realidades virtuais, inexistentes.
A vida, a ciência, a luz, a verdade são esfaceladas rotineiramente. O impulso é da destruição. A pulsão de morte recusa a vida. As trevas se expandem esmagando a luz. O segredo mói a transparência. A intolerância destrói a compaixão, o vício fragmenta a virtude, a maldade fratura a bondade, o ódio pulveriza a fraternidade, o egoísmo despedaça o altruísmo, a imoralidade tritura a retidão, o caos necrosa a ordem e o distúrbio rala o equilíbrio. O esboroamento da Nação é ofertado de bandeja no meio ambiente, na educação, na política externa, na ética, na saúde e na economia. A inflação ressurgiu ameaçadora; a fome voltou mortal; o desemprego explodiu; o real é uma das moedas mais desvalorizadas; os investidores fugiram; a renda per capita é a mais baixa desde 2010 e a dívida pública caminha para 100% do PIB. Após a chegada desse cumim destemperado, o Brasil só retrocedeu.
O Bolsonaro de hábitos simples é mentira. Ele gourmetiza a pobreza e escarnece da fome no Brasil. O capitão gosta de banquetes, farras e convescotes com dinheiro do contribuinte. Em três anos, espetou uma conta apimentada em gastos sigilosos de R$ 30 milhões, 19% maior que os consumos anteriores. A simplicidade contrasta ainda com um churrasco no Alvorada no dia das mães, onde foi servida a picanha de ouro. O quilo custava R$ 1,8 mil, segundo o blog “Cozinha Bruta”, da “Folha de S. Paulo”. Em uma das imagens das redes sociais do perfil do churrasqueiro do evento, vê-se duas embalagens com a mensagem ‘Brasil acima de tudo. Deus acima de todos’ e uma menção ao Frigorífico Goiás. O frigorífico também publicou a foto classificando o corte como ‘picanha mito’. A mesma carne, em outra embalagem, custava 600 reais por 350 gramas. Pelas fotos, nota-se que havia, ao menos, duas peças de 350 gramas da picanha. A carne é fraca e cara.
As férias dos glutões do capitão que se diz simples, em Santa Catarina e Guarujá, entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro de 2021, desbarataram os cofres públicos em exatos R$2,4 milhões. Uma queima diária de mais de R$ 140 mil. Indagado sobre a torrefação do dinheiro público, o capitão, apelidado de “Bolsocaro”, debochou: “Ah, gastou milhões nas férias. Vai ter mais férias para ser gasto; fiquem tranquilos”, debochou. Foi a única promessa cumprida nessa gestão. Esse ano repetiu o rega-bofe e só o interrompeu depois que a comilança imoderada provocou uma obstrução intestinal. Até hoje Jair Bolsonaro não explicou como e porque deglutiu os R$ 89 mil de Fabrício Queiroz depositados na conta da primeira-dama. A quem questiona, escancara a boca grande para ameaçar com “porrada”. É uma espinha atravessada em sua garganta tão incômoda quanto os desarranjos nas vísceras.
A voracidade imobiliária da família também desmente a modéstia. O clã reúne perto de 40 transações, entre aquisições e vendas. Os valores superam os R$ 10 milhões, misturando os negócios do pai, filhos, mãe e madrasta em apartamentos, terrenos, casas e salas. Jair Bolsonaro negociou 14 imóveis. Flávio chegou a 21 operações com a mansão enfumaçada de Brasília, cujo valor é de R$ 6 milhões no condomínio da pompa na capital. Corriqueiras nas transações imobiliárias deles são as compras abaixo do valor de mercado, vendas lucrativas, lacunas sobre a origem e licitude dos recursos e a predileção por pagamentos em dinheiro.
Na mansão de Flávio Bolsonaro há névoas da copa à cozinha. O valor do imóvel – R$ 5,97 milhões – é mais que o triplo dos bens declarados pelo senador em 2018. Ao TSE, o patrimônio informado foi de R$ 1,7 milhão: um apartamento, uma sala comercial, 50% da franquia da fantástica fábrica de chocolates, um automóvel e investimentos. Houve um incremento de R$ 1,1 milhão no patrimônio em 2 anos e o empréstimo de um banco público foi uma boca livre.
O hábito suspeito de pagar imóveis em espécie é uma receita de família, um segredo bem guardado até pouco tempo. Rogéria Bolsonaro, mãe dos numerais 01, 02 e 03 e primeira mulher do capitão, comprou em 1996 um apartamento na zona norte do Rio pelo valor de R$ 95 mil. Atualizado, o imóvel, situado em Vila Isabel, valeria R$ 621 mil. No período da compra Rogéria Bolsonaro era casada com o então deputado Jair Bolsonaro em comunhão de bens. A repartição dos talheres só aconteceria 2 anos depois, em 1998.A escritura registra com todas as letras que o preço “certo e ajustado de R$ 95 mil foi recebido integralmente no ato… através de moeda corrente devidamente conferida, contada e achada certa e examinada pelos vendedores”. Entre o final de 1997 e 2008, quando dividia a mesa com o então deputado Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira comprou com ele 14 apartamentos, casas e terrenos.
O patrimônio somava R$ 3 milhões, o equivalente a R$ 5,3 milhões em valores corrigidos. Pelas escrituras, contou a revista “Época”, cinco dos 14 imóveis foram pagos “em moeda corrente”. Foram duas casas, um apartamento e dois terrenos em negociações separadas, que somam R$ 243 mil, em valores históricos, ou atualizados R$ 638 mil.
A família Bolsonaro, cujo apetite por imóveis e opulência desmentem a modéstia, se empanturra na boquinha pública há anos. Carlos Bolsonaro é vereador no Rio de Janeiro, onde o salário é de R$ 18 mil. Tem mandato há 21 anos quando foi escalado para engolir a própria mãe aos 17 anos. Flávio Bolsonaro, coberto de farelos criminais, está há 17 anos com mandatos, quatro deles como deputado estadual (salário de R$ 25,3 mil) e o recente de senador, com salário bruto de 33,7 mil. Eduardo Bolsonaro tem 5 anos de mandato de federal e recebe, além de mordomias, a remuneração de R$ 33,7 mil. Até o caçula já está faturando após da chegada do pai ao poder. O clã, bem fornido, inclui o pai com mandato há quase 30 anos. Repastam todos os meses com perto de R$ 130 mil do dinheiro público em Brasília ou nos condomínios da Barra da Tijuca.
Na zona oeste do Rio a intolerância explodiu em um crime atroz sob a indiferença governamental. No “Vivendas da Barra” Bolsonaro e o filho são vizinhos de um dos envolvidos da execução da vereadora Marielle Franco, Ronnie Lessa. No dia 14 de março de 2018, a vereadora e o motorista Anderson Gomes foram emboscados na região central do Rio. O MP do Rio de Janeiro apontou o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz como os executores dos assassinatos. Com um amigo de Lessa foram encontrados 117 fuzis M-16. O miliciano Adriano Nóbrega foi agraciado por Flávio Bolsonaro com um medalhão na cadeia e ainda pendurou dois parentes dele no gabinete do 01. Na Barra um jovem negro foi morto por estrangulamento um mercado e o congolês, foi espancado até a morte por cobrar o próprio salário. Crimes derivados do caldeirão da intolerância e do ensopado do ódio. A barra é pesada e tem um cheiro forte da milícia. Lá Bolsonaro obteve 74,5% dos votos.
Além da selvageria bolsonarista, nacionalizada, a carnificina se inscreve no cardápio de tragédias públicas e erros políticos do Rio de Janeiro. Cinco governadores cariocas que azedaram a ética foram presos. Recorrem em liberdade Moreira Franco, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Luiz Fernando Pezão. Sérgio Cabral é o único que amarga a boia de Bangu. Wilson Witzel, apoiador e apoiado por Bolsonaro, foi acusado de corrupção na saúde na pandemia e, apodrecido, foi vomitado das Laranjeiras. O evangelizador da cozinha malcheirosa, que comanda o partido dele, PSC, pastor Everaldo, também foi preso. Dois dos filhos de Jair avinagraram ainda mais o paladar carioca: Flávio e Carlos Bolsonaro. Ambos são investigados pela chamada ‘rachadinha’, eufemismo de crimes que defumaram outra mentira do bolsonarismo: a ética.
Garçonete voraz e emblemática do convescote bolsonarista no Rio é a ex-deputada federal Flordelis, presa e cassada pelo envolvimento na morte do pastor e marido Anderson do Carmo, executado com mais de 30 tiros em 2019. Comensal habitual da culinária carioca, preso até pouco tempo, Eduardo Cunha está em prisão domiciliar e tornozeleira em razão da Covid-19.
Ele emporcalhou a cozinha da Câmara dos Deputados para fritar ex-presidente Dilma Roussef. Cunha, maitre do azedume prolongado e coletivo, foi condenado a 15 anos por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Engrossa o caldo carcerário dos políticos do Rio, composto ainda pelo ex-deputado Roberto Jefferson e Daniel Silveira, aliados de Bolsonaro. A mesa é farta. É integrada também por dois ex-presidentes da Alerj, Jorge Picciani, falecido em 2021, e Paulo Melo, além de outros convivas que cuspiram no prato dos eleitores.
Despedaçado pela fome, a desnutrição e a penúria, o Brasil esturrica na sarjeta mundial da indigência, graças a Bolsonaro, um espécime das cavernas, anacrônico e tosco. Encarna o selvagem hidrófobo, esparramando farofa, entulhando lixo, empunhando porretes, armas e cuspindo violência e ódio. A ceia satânica é repleta de ogros acéfalos salivando seus instintos primitivos.
Jair Bolsonaro é o crepúsculo da espécie. Antípoda da ciência, insulta a educação, escarnece da verdade, orgulha-se da insciência, despreza a vida e os avanços civilizatórios. Sua necrofilia rudimentar nos desonra diariamente. Se antes achou fácil enganar o eleitor com mentiras, agora precisa lembrar que a dignidade e democracia não cedem diante de idiotices. Na lógica da farinha pouca, meu pirão primeiro, ele e os seus repastaram com beliscos e canapés suculentos, enquanto o Brasil reingressou no mapa da fome. Não querem largar o osso e deixam os restos aos brasileiros. É preciso ter estômago de avestruz ou das emas do Alvorada.