A mais tosca série de terror e morte, interpretada por Jair Bolsonaro, foi roteirizada com 9 tomadas para desfocar a democracia: deslegitimar as instituições, encorajar o enfrentamento, polarizar com a esquerda, conspirar contra direitos, terceirizar o fracasso, atacar a imprensa, impulsionar as milícias, sabotar o conhecimento e, como protagonista central, mentir como método. Argumentos nazistas de desconexão da verdade para aderência a realidades virtuais. Na cabeça da medusa, algumas serpentes só foram guilhotinadas depois do pânico com Fabrício Queiroz.
As locações, agressivas ao feitio do gênero de ação, golpeavam o STF e Congresso, ameaçados com o relançamento do AI-5. Na gravação em frente ao QG do Exército (19/04), o capitão falou em “negociar nada”. Na cena seguinte (3/5) disse ter as forças armadas. Acossado pelo script contra os fãs, bravateou: “acabou, porra” (28/5). Convocou atos, participou e distribuiu vídeo das hienas como ministros do STF. Nos ensaios o general Augusto Heleno, soneca dos 7 anões, obrou uma nota intimidadora (22/5). Não reuniu figurantes para ruptura e reinterpretou a fala.
Os efeitos especiais – explosão de fogos sobre o STF (13/5) – saturaram a turnê golpista. Meia dúzia de extremistas foi trancafiada. Sarah Giromini, orgulhosa no estilo western indigente, personificava o estímulo ao conflito e posava armada. A pistoleira, que coadjuvou sem brilho em outros papéis, reforçou por 10 dias o casting do presídio. Outros anões radicais foram encarcerados sem estrelato. Roberto Jefferson, salteador preso em temporadas passadas, posou com armas, mas errou o tiro: “A toga não é mais forte que o fuzil”.
No enredo do caos, polarizar com o PT e outros atores comunistas é decorado pela claque. O ponto eletrônico dos produtores sopra os argumentos para infestar as redes sociais, já na trilha da Justiça. “Vamos fuzilar a petralhada”. “Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Essa é síntese e origem do ódio ainda no teste eleitoral. A espiral belicista, de evoluir da ação para guerra, foi cancelada e cortado o cenário autoritário.
Conspirar contra as liberdades é mantra. A tirania individual torna-se vilã ao tentar sequestrar conceitos da democracia para se sobrepor ao coletivo. Os déspotas – nazistas, fascistas e franquistas – cometeram atrocidades em nome das liberdades. O compartilhamento de dados das telefônicas e da CHN foram cortados na montagem do STF. A Lei de Acesso às Informações, legenda de transparência e controle público, é alvo recorrente do estilo “noir”, opaco. Até aqui está preservada.
Responsabilizar adversários por malogros é a credencial de todas sessões. Vazamento de óleo no Nordeste é a Venezuela; queimadas na Amazônia ONGs ou do astro Leonardo de Capri; aumento do combustível é o ICMS; violências em atos são de infiltrados; mortes da pandemia, governadores; imagem queimada no mundo é a imprensa mundial de esquerda; desemprego é culpa da OMS. Não faz nada errado, mas ainda assim queria a imunidade preventiva na MP 966. Ela saiu cartaz antes do tempo.
A imprensa foi alvo de 116 ataques em 2019. Em 2020 foram 245 agressões até junho. Uma MP pretendia asfixiar financeiramente os jornais, mas caducou. Outra ação excluía a “Folha de São Paulo” de licitações. Na rotina eis o cômico da liberdade de expressão: “cala boca, não perguntei nada”, “’uma canalhice o que vocês fazem, TV Globo”, “essa imprensa lixo chamada Globo”, “você tem uma cara de homossexual terrível”, “ela queria dar o furo”. Foram 3 agressões do fã clube contra jornalistas e bananas atiradas por um bufão em busca de holofote.
O capitão só dá audiência a serial killers. Carniceiros como Brilhante Ustra, Augusto Pinochet e o Major Curió – facínora do Araguaia – têm tapete vermelho. Outra ribalta da morte, desde a estreia, é a milícia, face mais aterradora do crime. Banalizar o acesso às armas e munições – 10 decretos – é o principal item do roteiro para fortalecer a milícia, que ele propôs legalizar, simulando a candura das chanchadas. O vizinho é acusado de matar Marielle Franco. Adriano da Nóbrega, chefe do escritório do crime, foi condecorado na cadeia pelo filho, que também empregou a mãe e a ex-mulher. Fabrício Queiroz dirigiu a película pornô das ‘rachadinhas’ sob o mecenato de Flávio Bolsonaro. Foi campeão de bilheteria na Alerj. A filha tinha cachês dignos de caça fantasmas no camarim do capitão em Brasília. Queiroz ensaia sair do gênero policial para o musical. Ameaça cantar, como testemunha.
A sabotagem ao conhecimento é da baixa idade média. A repulsa à ciência é eloquente: “gripezinha”, “tá indo embora”, ‘brasileiro não pega nada”, e outros disparates. Prescreveu, ilegalmente, o uso de medicação ineficaz e letal. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda, tubaína”. Crimes contra a saúde pública embasam pedidos de impeachment. Paulo Freire, educador com estatuetas no mundo, é “energúmeno”. Nas universidades todo dia é sexta-feira 13.
No longa metragem da infâmia, a mentira ocupa a cadeira do diretor. São muitos exemplos: “Kit gay”, “país que mais preserva o meio ambiente”, “as mortes na Itália são invenção da mídia”, “não houve nenhuma medida que demonstre qualquer tipo de apreço nosso ao autoritarismo”, entre outros. A mentira é tão estratégica que bateram no STF para censurar uma CPI, afastar seu presidente e o capitão antecipou o veto à lei contra Fake News antes mesmo do teor final.
O ministério de Damares Alves sonega os números da violência policial. A Saúde queria ocultar os números da Covid e foi enquadrada. A mentira profanou o Diário Oficial. Ele fraudou a realidade 2 vezes. A exoneração de Maurício Valeixo da PF foi publicada com assinatura falsa de Sérgio Moro. O ato foi republicado sem a digital dele. A fuga de Abraham Weintraub foi retificada, retroagindo em 1 dia. Ministros fraudaram dados em seus currículos. O último, da Educação, abusou.
O fracasso de bilheteira do enredo nazifascista obrigou o estúdio a um remake. O canastrão e o elenco queimaram o filme em, pelo menos, 70% das salas de exibição. Na refilmagem, o capitão é um eunuco tutelado. Perdeu as falas autoritárias, as instituições não são mais as vilãs da fita, os figurantes são ignorados e as novas estrelas do estúdio são do centrão. Envergam bolorentos figurinos, egressos do faroeste, fonte única dos monólogos dos malfeitores.
A trilha sonora da queda é estridente, amplificada em dolby de última geração. Ela tem mais versões que o desparecimento de Fabrício Queiroz. Gravando em Bangu, Queiroz vive insone pelo fantasma do “morto não fala”. Seus pesadelos evocam a frase síntese do filme “O sexto sentido”: “eu vejo gente morta”. A morte que atormenta Norman Bates, o psicopata de “Psicose”. O democrata Bolsonaro do momento é um dublê, maquiado pela tática da sobrevivência. Tudo que ele agrediu saiu fortalecido. A mentira tem perna curta e está no foco das instituições.