A economia da pandemia e as arrecadações estaduais

A grave e inédita crise sanitária enfrentada pelos brasileiros desde março de 2020 também está provocando estragos nos cofres estaduais. Por enquanto, pelos cálculos do economista, 2021 sinaliza para um estrago semelhante ao de 2020. Sem estímulos federais, os estados vão continuar com os cofres na penúria

A evolução da arrecadação própria das unidades da federação em 2020 é um importante indicador do comportamento do nível local da atividade econômica no primeiro ano da pandemia da covid-19 entre nós e, ao mesmo tempo, mostra como foi decisivo o aporte emergencial de recursos federais para que as políticas públicas ofertadas pelos governos estaduais não tivessem entrado em colapso no momento que a população delas mais necessitou. O acompanhamento de sua evolução mensal ao longo de 2020 também traz lições sobre o que poderá vir a acontecer com o nível de atividade econômica e com as arrecadações estaduais em 2021, quando a disseminação do vírus volta a se acelerar intensamente em todo território nacional, o que necessariamente deverá levar à adoção de uma nova rodada de medidas mais rígidas de isolamento social.

Vamos focalizar a análise da evolução das arrecadações estaduais no comportamento do ICMS, o imposto sobre circulação de bens e serviços, que em 2020 representou 84,9% da arrecadação própria dos estados e que tem por característica estar fortemente relacionado ao nível local de atividade econômica.

Forte oscilação 

O ICMS de todas as unidades da federação alcançou em 2020 o montante de 520,1 bilhões de reais, incremento nominal de 3,0% em relação ao ano anterior e, portanto, recuo de cerca de 1,5% em termos reais, já descontada a inflação do período, de 4,52%. Os resultados apresentados excluem a arrecadação do mês de dezembro de Goiás em ambos os anos, visto que aquele estado ainda não havia registrado a informação de dezembro de 2020. Chama a atenção a forte oscilação da arrecadação do ICMS ao longo do ano de 2020. O gráfico apresentado nesta página apresenta as taxas de crescimento mensais e acumuladas da arrecadação do ICMS do conjunto dos estados brasileiros no ano de 2020 em relação aos mesmos períodos de 2019.

Fonte: Confaz. Obs: O resultado de dezembro exclui a arrecadação do estado de Goiás. Os dados podem ser acessados no sítio https://www.confaz.fazenda.gov.br/boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais.

A arrecadação do ICMS para o conjunto dos estados iniciou 2020 com forte incremento, na comparação com 2019. No acumulado janeiro-março, a receita de ICMS superava em 6,2% a do mesmo período do ano anterior. Nos meses seguintes, todavia, ela desabou.  Em abril de 2020, a receita do ICMS, em relação ao mesmo mês de 2019, despencou 12,8% e no mês seguinte a retração superou os 20% (22,8%), voltando a despencar 9,4% no mês de junho.

No segundo trimestre de 2020, a arrecadação do ICMS do conjunto dos estados se retraiu 15%, enquanto o Fundo de Participação dos Estados (FPE), fonte de financiamento tão importante quanto o ICMS para as receitas dos estados do Norte e Nordeste, despencava 17%.

O mês de maio marcou o momento mais crítico da receita de ICMS (e, também do FPE). Depois da retomada parcial em junho, a arrecadação nominal do tributo de julho já se mostrou no mesmo patamar do ano anterior. Nos meses seguintes, a arrecadação do ICMS retornou com força, em grande parte por conta do represamento dos recolhimentos pelas empresas durante o período mais difícil, no segundo trimestre do ano. No trimestre agosto-outubro, a arrecadação do ICMS do conjunto dos estados já superava em 10,5% em termos nominais o valor apurado no mesmo período de 2019.

Dois foram os vetores principais da retomada do ICMS a partir do 3º trimestre de 2020: o primeiro foi o relaxamento gradual das medidas de isolamento social que haviam sido adotadas no início de março; o segundo, tão fundamental quanto o primeiro, foi a implementação de um robusto conjunto de programas de transferências de renda que focalizaram as famílias de pessoas desempregadas pela pandemia e os trabalhadores com vínculos empregatícios que tiveram redução parcial ou integral dos vencimentos. A importância dos impactos dos programas de auxílio às empresas e de transferências de recursos para estados e municípios também não pode ser diminuída.

Perspectivas

Ministro Guedes

Como se sabe, a retomada da economia brasileira em V, como assegurava o Ministro da Economia, ficou no meio do caminho. O nível de atividade econômica registrou forte desaceleração no último trimestre de 2020, frente ao trimestre imediatamente anterior, e o PIB do último trimestre do ano ainda se situou 1,1% abaixo do 4º trimestre de 2019.  Com o recrudescimento da pandemia e a interrupção dos programas emergenciais de renda, a economia brasileira poderá estar se encaminhando para nova retração do nível de atividade nos dois primeiros trimestres de 2021, ainda que menos acentuada do que a do 2º trimestre de 2020.

Em sintonia com a desaceleração da retomada do nível de atividade, a arrecadação de ICMS do conjunto dos estados estacionou a taxa de crescimento em novembro e, em dezembro, desacelerou bruscamente. Como a arrecadação do tributo tem uma certa defasagem temporal em relação ao fato gerador e considerando a redução já havida do volume de obrigações represadas, além da possibilidade de advir um novo ciclo de postergação de recolhimentos, a evolução da receita de ICMS no primeiro semestre de 2021 deverá confirmar a desaceleração do seu crescimento e poderá mesmo apresentar retração.

Como a evolução da pandemia deverá exigir medidas mais duras de isolamento social, definitivamente o governo brasileiro, cedo ou tarde, antes cedo do que tarde, deverá rever sua posição e aprovar um novo ciclo robusto de transferência emergencial para as famílias pobres bem mais amplo do que esse que está sendo discutido no Congresso Nacional.

* Ricardo Lacerda é professor de economia da Universidade Federal de Sergipe 

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