É inevitável admitir que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), em tramitação no Senado, sob a direção do senador Omar Aziz e relatoria do senador Renan Calheiros, tem como personagens centrais o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.
A seguir vêm os coadjuvantes e figurantes. Alguns, objetivos e convincentes; outros confusos, cuja presença lhes assegurou a possibilidade de aparecer em rede nacional de televisão entrar em contradição, mentir, procurar confundir.
Os depoimentos tomados até o momento convergem na direção do presidente da República, Jair Bolsonaro. Com efeito, na qualidade de Chefe do Poder Executivo é dele a prerrogativa de nomear e exonerar os Ministros de Estado e exercer, auxiliado pelos Ministros, “a direção superior da administração federal” (Constituição Federal – CF, Art. 84, I e II).
Quanto ao general Ernesto Pazuello, porque lhe competia, na qualidade de ministro da Saúde (15/5/2020-15/3/2021), “exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República” (CF, Art. 87, I). Administração federal, diz o texto da Constituição.
Como integrantes da Administração Pública direta, o presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello deveriam observar os princípios de “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiente”, conforme ordena o Art. 37 da Lei Fundamental, o que deliberadamente deixaram de fazer.
A existência de 460 mil mortos e de 16,4 milhões de infectados por Covid, no espaço de 15 meses, revela, independente da produção de provas, graves erros por parte de quem esteve e está incumbido da direção superior da administração federal. Saliente-se que a Constituição trata da administração federal. Por ser o Brasil República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, a administração dos assuntos estaduais cabe ao Governadores e, dos municipais, aos prefeitos (CF, Art. 1º e artigos 25/32). Prestam contas, portanto, às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, não ao Senado Federal.
O combate à pandemia deveria se fazer, desde o reconhecimento do estado de calamidade pública, com medidas preventivas e possíveis, como o uso de máscara, trabalho domiciliar, quarentena, distanciamento social. Renomados infectologistas nacionais e estrangeiros admitem a falta de remédio eficaz e sem contraindicações para combater o Covid-19 e novas cepas. Países evoluídos, como China, Rússia, Índia, Inglaterra, empenharam todos os recursos humanos e materiais na pesquisa de vacina. O Instituto Butantã e a Fundação Fiocruz seguiram na mesma direção, produzindo vacinas com insumos importados, especialmente da China.
O depoimento do Dr. Dimas Covas, diretor presidente do Instituto Butantã, colhido no dia 27/5, afastou as derradeiras dúvidas sobre a responsabilidade direta do presidente Jair Bolsonaro e do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pela falta de oxigênio e obstrução da compra de vacinas e de insumos, com o firme propósito de tumultuar o programa de vacinação.
Declarações gravadas, depoimentos testemunhais, documentos, material publicado pela imprensa, levarão os membros da CPI a reconhecer aquilo que é do conhecimento universal: o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello contribuíram para o avanço da pandemia, o aumento de mortos e de infectados, as dificuldades da vacinação em massa. Incidiram, portanto, em crime de responsabilidade.
Não é necessário ser jurista para saber que o presidente Jair Bolsonaro, como servidor público, pode ser convocado pela CPI para depor. Bastará a leitura dos artigos 5º, 58, § 3º, 85 e 86 da Constituição. Como indiciado lhe será assegurado o direito de ficar mudo. Sob a advertência, porém, de que a mudez o desfavorecerá.
O general Eduardo Pazuello não gozará da mesma possibilidade. Enfrentará a CPI pela segunda vez, para esclarecer omissões e contradições. Permanecer na ativa não o beneficiará. Já está reformado. A concretização da medida é questão de semanas. Desacreditado, nunca mais o Exército lhe confiará posto à altura do generalato. Pertence ao arquivo dos esquecidos.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho