O olhar dele varreu-a por dentro. Súbito desejo. Absolutamente sem propósito.
Todas as tardes, era uma chatice subir o rangente elevador do velho prédio da Justiça do Trabalho, ali perto da Faculdade de Economia. Gente demais. Na porta, multidão de advogados recém-formados, disputavam a clientela. Normalmente, quem ficava ali, era chamado de “advogado de porta de cadeia”. Quem dera que na porta das cadeias amontoassem tantos advogados!
Ali se pescava um ou outro desses miseráveis demitidos com uma mão na frente e a outra atrás.
Não era o caso dela, que tinha a quem representar. Não precisava de dinheiro. Queria apenas se sentir útil. Depois, os corredores das secretarias, também abarrotados. Tudo muito sujo, muito distante do mundo de facilidades onde ela vivia. Paredes nas quais homens se encostavam com um dos pés , aguardando a chamada para a audiência. De terno e gravata, solenes, só mesmo os advogados – não ela, que ia de saia – e os juízes. Ah, os juízes!!! Na cabeça dela, e quem sabe na deles, todos ostentavam aquelas perucas das cortes inglesas, e mantos negros que os faziam parecer morcegos. Às vezes, eram chatos também.
A mesa tinha a forma de um “T” e abrigava um dos truques do mundo que ela bem conhecia: na cabeceira, o juiz do trabalho e o secretário (ou escrivão?!). De um lado, o empregado – de quem ela era a advogada. Do outro, o empregador e seu advogado. Ele era o advogado do patrão.
Ele entrou todo reluzente, sorrindo para todos e especialmente, fixando os olhos nela. Seduzindo-a ou querendo fazê-la ter medo? O medo que ela sempre sentia de todos naquela sala: do juiz (que ela mentalmente vestia de baiana para conseguir enfrentá-lo sem medo de errar); a hipocrisia paralisante de se colocar em frente um do outro – dois supostos contratantes, iguais, com os mesmos direitos e deveres; a certeza de que ao final o empregado teria de ceder. Na verdade, ela teria, em nome dele, de fazer um acordo, para obter algo para seu cliente. Por menor que fosse a migalha.
E agora, ceder também passava a significar o desejo insaciável de se deitar com aquele homem.
Baixou a cabeça e se entregou a pensamentos malucos, todos, todos fixados no desejo de deitar-se com aquele homem e ao mesmo tempo de subjugá-lo e a toda a farsa da Justiça do Trabalho.
Apregoadas a causa e as partes, o juiz começou a arengar.
Dali a minutos viria a pergunta, se haveria algum acordo. Eufemismo. Claro que haveria acordo: o acordo em que os que nada têm, têm de fazer, porque não ter nada os subjuga diante dos que tudo podem.
As contas já haviam sido mentalmente preparadas por ela: o suficiente para que aquele pobre menino – ela estava ali acompanhando um menor que não tinha representantes legais. E ele precisava comprar cadernos e livros, um sapato novo, uma calça jeans e uma camiseta. Se ainda fosse possível arrancar algo mais, talvez um dinheirinho que permitisse ao menino sobreviver mais uns dias. Comer – no fim das contas – até encontrar novo emprego.
Mas conseguir tudo isso (ou quase nada) exigia que ela fingisse não transigir, pois os direitos dele haviam sido sonegados. E ela não conseguia articular argumentos diante dos olhos daquele advogado que a seduzia, a encarava e a tentava subjugar.
Balbuciou algo dirigindo-se ao juiz.
Assim argumentam as partes, sempre dirigindo-se ao juiz e nunca à outra parte. Conseguiu mais ou menos alinhavar termos de um possível acordo. Miserável acordo.
Saiu de lá, sentindo os olhos do outro advogado queimando suas costas, pousando em suas ancas, descendo pelas pernas, a mão entre elas, apalpando-a, depois de conseguir um acordo miserável para o menino.
E saiu com a certeza (miserável?!) de que as mulheres não se entregam a um homem apenas por amor.
Também querem somente sexo.