O Evangelho de João relata a ressurreição de Lázaro de Betânia, um seguidor de Jesus revivido quatro dias após o sepultamento. As irmãs de Lázaro se queixavam que a demora de Jesus em socorrê-lo na doença teria precipitado a morte do discípulo. Alguns teólogos analisam o milagre da ressurreição como primeiro passo do calvário. Na legião demoníaca do bolsonarismo, submundo escaldante do purgatório, se repetem as lamúrias quanto ao desdém de Jair Messias Bolsonaro.
Muitos deles pereceram durante a peregrinação macabra do capitão e seguem desamparados O missionário da morte e pastor do cercadinho sempre renega seus seguidores. É um vigário pusilânime e sempre que encurralado, sacrifica seus sacerdotes para proteger o próprio pescoço e dos filhos. A falange é extensa e as reclamações de abandono recorrentes. Se escarneceu das mais de 608 mil vítimas da Covid-19, imagine dos fiéis tombados. Adeptos da cultura do descartável não são solidários.
Conhecido pregador das cadeias, Roberto Jefferson, que se refestelou em todas as ceias governamentais desde Fernando Collor, praguejou contra a democracia pecaminosamente na adoração ao chefe Bolsonaro. Foi orar nos altares do xilindró pela segunda vez. Por roubar os donativos dos devotos petistas no escândalo do mensalão foi batizado na cadeia pela primeira vez em 2014, mas ficou muito pouco tempo trancafiado, menos de 1 ano e meio dos mais de 7 anos da sentença.
Luís Roberto Barroso foi generoso e o liberou para as missas domésticas. Jefferson é um ladravaz conhecido e condenado, síntese da anunciação da “nova política” bolsonarista. Voltou a ser preso em agosto de 2021, um mês tradicionalmente infausto, especialmente para o PTB, legenda que comanda. A determinação foi do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura a atuação das milícias digitais contra a democracia.
As imprecações vocalizadas por esse Barrabás da delinquência são diabólicas. Os alvos mais recorrentes do tridente satânico foram o STF e a CPI da pandemia do Senado: “Organização Criminosa é o Supremo. Orcrim. Uma organização de crime contra a Constituição, contra a dignidade humana”, vociferou. Depois pregou abertamente um golpe contra os ministros do STF: “aposenta dez ministros do Supremo, menos o Kassio, (…).
Mas pega aqueles dez satanazes… as duas bruxas e os oito satanazes, você aposenta, manda pra casa.” “Tirando esses caras de lá já é uma limpeza; já é uma patrolada. (…) aquelas duas bruxas e aqueles nove urubus que tem lá. Nove não, oito. (…) Duas bruxas e oito urubus…”.
A CPI da Pandemia também foi objeto da blasfêmia bestial: “Eu penso que nós temos que agir agora. Concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora da CPI a pescoção”, praguejou inspirado na invasão do Capitólio por fanáticos nazistas. Quem semeia vento colhe tempestade.
Preso, Jefferson logo descobriu que suas preces fervorosas não sensibilizaram o guru espiritual, que tem ignorado tanto as elegias quanto as chantagens. Em uma das epístolas banguenses lamuriou: “Bolsonaro é um homem honrado, mas não recolhe seus feridos. Sequer demonstra solidariedade com seus combatentes. Fiz duas cartas para ele. Nunca o PR (Presidente da República) mandou um cartão dizendo ‘saúde, minha solidariedade’. Ao contrário, ele se distanciou de nós manteve o silêncio obsequioso”. Diante do voto de silêncio renitente, Jefferson amaldiçoou: “O presidente tentou uma convivência impossível entre o bem e o mal. Acreditou nas facilidades do dinheiro público. Esse vício é pior que o vício em êxtase.
Quem faz sexo com êxtase tem o maior orgasmo ou ejaculação que o corpo humano de Deus pode proporcionar. Gozou com êxtase, para sempre dependente dele. Desfrutou do prazer decorrente do dinheiro público, ganho com facilidade, nunca mais se abdica desse gozo paroxístico que ele proporciona. Bolsonaro cercou-se com viciados em êxtase com dinheiro público; Farias, Valdemar, Ciro Nogueira, não voltará aos trilhos da austeridade de comportamento. Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio”.
Roberto Jefferson não é o único desamparado na irmandade. Purga a penitência no claustro como o deputado federal Daniel Silveira, também preso duas vezes esse ano. A primeira por ataques a ministros do STF em fevereiro de 2021 e a segunda por desrespeitar o uso da tornozeleira eletrônica por cerca de 30 vezes. A decisão, igualmente, foi do togado Alexandre de Moraes, do STF, a pedido da Procuradoria-Geral da República. Na decisão, o ministro citou o “total desprezo pela Justiça”.
O deputado Silveira foi preso em fevereiro de 2021 em razão de um vídeo em que fez apologia ao AI-5, o mais sanguinário ato institucional da repressão militar, e pediu a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal, entre eles Edson Fachin. A prisão foi chancelada pela unanimidade da prelazia do STF e confirmada pela Câmara dos Deputados. O furibundo tribuno das redes sociais, assim como Jefferson, depois de preso se converteu em um cristão compungido.
Outro discípulo extremista, devoto do golpe, do fechamento dos Poderes, da intervenção das Forças Armadas, e igualmente desmiolado, é Allan dos Santos, um reles blogueiro endeusado no altar da indigência bolsonarista. Quando a coisa apertou, esse ex-seminarista escafedeu-se para os Estados Unidos em busca de proteção. Não adiantou.
O ministro Alexandre de Moraes determinou sua prisão preventiva e extradição. Com visto vencido, o pregador da terça livre passará todos os dias da semana na cadeia por um bom tempo. No despacho, o ministro Moraes sustenta que Allan dos Santos deve ser preso pela prática de seis crimes: promover, financiar e participar de organização criminosa, calúnia, injúria e difamação, lavagem de dinheiro e incitação ao crime.
Os canais de adoração no YouTube foram fechados e a Justiça determinou o bloqueio de todas as contas de redes sociais vinculadas ao blogueiro e suas contas bancárias. Também foram proibidos os repasses de dinheiro das plataformas para os canais e contas, a chamada monetização.
O tempo também fechou para outro blasfemador contra a democracia, um tal Zé Trovão. Um fiel anônimo, sequestrado da sua insignificância às vésperas das pregações golpistas do 7 de setembro. O caminhoneiro bolsonarista Marcos Antônio Pereira Gomes foi um dos principais apóstolos envolvidos nas blasfêmias antidemocráticas do Dia da Independência.
Bravateiro, ele pontificou paralisações e invasões ao STF e ao Congresso Nacional e começou a ficar conhecido a partir de março deste ano. Por meio do canal “Zé Trovão, a Voz das Estradas”, hoje fora do ar, Marcos Gomes chegou a ter em torno de 40 mil seguidores. Zé Trovão também apareceu ao lado do cantor Sérgio Reis e parlamentares apoiadores de Jair Bolsonaro.
Em 29 de agosto, tornou-se alvo de uma investigação da Procuradoria-Geral da República e sua prisão preventiva foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em 3 de setembro, por envolvimento em liturgias antidemocráticas. Outra besta fera indomável que, trancafiada, afina, como Bolsonaro afinou no 7 de setembro.
Sérgio Reis, depois de esconjurar a democracia, disse que não era bandido. O cantor havia convocado, com a histeria evangélica, um ato no dia 7 de setembro no qual os caminhoneiros iriam parar o Brasil em favor de Bolsonaro e pelo impeachment de Alexandre Moraes. A novena golpista foi desmoralizada. Antes do arrependimento, Reis abusou para ameaçar as instituições: “Dia 8 eu, os caminhoneiros, os plantadores de soja, os fortes, os que carregam navios para fora, vamos ao Senado…Eles vão receber um documento assim: vocês têm 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do Supremo Tribunal Federal. Não é um pedido; é uma ordem!”, dizia Reis no áudio.
“Se vocês não cumprirem em 72 horas, nós vamos dar mais 72 horas, só que nós vamos parar o país Já está tudo armado. O país vai parar”, bravateou. A valentia cedeu lugar a contrição: “Não matei, bati nem ofendi ninguém. Não mereço ser preso. Eu errei, que não erra? Quem não faz bobagem um dia?” Mais uma vez a ferocidade se transformou em covardia para evitar a prisão.
Sarah Geromini, pretensa líder de um movimento etéreo, chamado de 300 do Brasil, foi a pioneira na prisão e no abandono. Ela, junto com outros 6, foi para a clausura em junho de 2020 por maldizer a democracia. Capitaneando um bando de adoradores endiabrados, que nunca ultrapassou 30 pessoas, o grupo chegou a atirar fogos contra o Supremo Tribunal Federal. Ela, como Roberto Jefferson, publicou fotos armada nas redes sociais em gestos de intimidação contra os Poderes Constituídos.
Sara fazia provocações a Alexandre de Moraes. Em redes sociais, ela disse que levantaria informações sobre o ministro; que procuraria pessoas próximas a ele, e que descobriria detalhes sobre a vida do integrante do STF. “Nunca mais vai ter paz na sua vida”, disse ela a respeito do ministro. Depois de 9 dias de cadeia veio a contrição: “Tem horas que eu só queria gritar, gritar e gritar para alguém me ajudar, mas não existe esse alguém, sabe? Aí eu lembro e volto para os conselhos do meu psiquiatra e vou ter que levantar e vou ter que resolver os meus problemas. E não tem Bolsonaro para ajudar, e não tem Damares para ajudar”.
Outro bolsonarista terrivelmente religioso, o pastor evangélico Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC, e seus dois filhos, Filipe Pereira e Laércio Pereira, foram presos em agosto de 2020 na Operação Tris in Idem, que também determinou o exorcismo do cargo e posterior impeachment do ex-governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro. O pastor Everaldo foi citado na delação premiada do ex-secretário de Saúde, Edmar Santos, por conta da influência dele no Palácio Guanabara.
O ex-secretário foi preso por corrupção. Segundo a delação, era o pastor Everaldo quem mandava na saúde do Rio de Janeiro. Preso por suspeita de corrupção, é mais um do grupo alçado ao poder por uma seita doentia que ignora o milagre da solidariedade bolsonarista. Selma Arruda e Fernando Francischini, senadora e deputado eleitos sob o evangelho mefistofélico de Bolsonaro, foram e excomungados pelo TSE e engrossam a procissão dos desalmados e abandonados.
A ex-deputada bolsonarista Flordelis, também está atrás das grades. Ela foi presa no mesmo dia de Roberto Jefferson, na noite da sexta-feira 13, em sua casa, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 48 horas depois de perder o foro privilegiado de deputada federal. Ao deixar a sua residência, a ex-deputada carregava uma Bíblia e repetia a seus familiares: “Amo vocês, fé em Deus”.
Flordelis é acusada de ser a mandante da morte do então marido, o pastor Anderson, assassinado na porta de casa em 18 de junho de 2019. No pedido de prisão, o MP afirma que Flordelis atrapalhou as investigações sobre o caso, orientou réus e testemunhas e eliminou provas.
Ela responde por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima – tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. O bispado da Câmara dos Deputados aprovou quase por unanimidade, a cassação do mandato da deputada. No histórico das cassações da Câmara por crimes comuns, Flordelis teve o processo mais lento.
Outro missionário abandonado é o ex-líder de Bolsonaro no Senado Federal, Francisco Rodrigues. Flagrado cometendo o grave pecado da avareza, ocultando perto de R$ 30 mil em dinheiro na cueca, ele foi crucificado e esconjurado da liderança no dia seguinte. O “Diário Oficial da União” publicou em edição extra no dia 15 de outubro de 2020 a mensagem de Jair Bolsonaro informando sobre a saída do senador Chico Rodrigues da vice-liderança do governo no Senado Federal.
Depois de uma purgação de 121 dias, Chico Rodrigues voltou ao mandato dizendo que carregará para sempre as “chagas dessa excruciante provação”. Muito penitente enxergou no vexame uma lição cristã: “Entendo que se Deus e o destino me aproximaram da profundidade e da intensidade dessa dor, através de toda essa indescritível vergonha, é para que eu pudesse me aproximar também mais dos sofrimentos alheios, para que aumentasse minha empatia para com os que sofrem dores muito maiores, para entender os que são açoitados por injustiças ainda mais implacáveis”, disse o senador em uma epístola de regresso.
Muitos dos tombados apenas politicamente também reclamaram do desamparo do chefe, mas não invejam os presidiários que se multiplicam. No ano de 2019, foram quatro demissões: Gustavo Bebiano (Secretaria Geral), Ricardo Vélez (Educação), Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria Geral). Em 2020, foi a vez de Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Osmar Terra (Cidadania), Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional), Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Nelson Teich (Saúde), Abraham Weintraub (Educação), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) e Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência).
Onyx Lorenzoni (Cidadania), Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o demônio do meio ambiente, Ricardo Salles, são os que saíram neste ano. Lorenzoni é o único da lista que foi desvinculado por duas vezes. Saiu da Casa Civil e foi para o Ministério da Cidadania, local onde também não permaneceu.
Devoto dos cultos bélicos e das orações diversionistas, Bolsonaro parou de escoicear o STF depois do malogro golpista e do medo da prisão do filho vereador. Antes ensaiava o coro da insurgência contra a prisão dos seus professantes: “Foi preso há pouco tempo um deputado federal e continua preso até hoje, em prisão domiciliar. A mesma coisa um jornalista, ele é jornalista, é blogueiro, também continua em prisão domiciliar até hoje.
Temos agora um presidente de partido. A gente não pode aceitar passivamente isso, dizendo: “ah, não é comigo”. Vai bater na tua porta”. Os malfeitores o rodeiam, os infames o exaltam, os degenerados o louvam, os vis o bajulam, os delinquentes o circundam, os salteadores o protegem, os assassinos o seguem, os fascistas o servem e os golpistas o celebram. Toda horda de facínoras, mentirosos e assassinos encontra acolhida nesse purgatório. Abatidos, acham que o capitão pode operar milagres e ressuscitá-los como Lázaro. Sacrilégio fatal. Seguirão enterrados nas covas da insignificância e da indiferença.