Na coreografia entre os poderes, a liturgia às vezes evita descompassos. Nessa quarta-feira (1), os Três Poderes da República se reencontram em solenidades constitucionais após suas sedes históricas terem sido vandalizadas por uma tentativa canhestra de golpe de estado, com o apoio ou omissão de forças públicas de segurança. O que mais assusta, com as primeiras apurações do sucedido, é que havia uma chance de em um primeiro momento ter dado certo.
A forte reação da sociedade e dos poderes da República e a recusa de generais do Alto Comando do Exército em embarcar nessa maluquice abortaram o golpe. Depois que o golpe fracassou, ninguém mais quer assumir sua paternidade. Nessa quarta-feira, às 10 da manhã, a sessão de reabertura dos trabalhos do STF, em um plenário destruído e reconstruído em tempo recorde, haverá um desagravo ao inusitado ataque à democracia.
Se em outros anos, a reabertura do ano Judiciário era burocrática, com discursos protocolares, dessa vez será diferente. Além da fala da presidente do STF, ministra Rosa Weber, Lula e Rodrigo Pacheco, presidentes dos outros poderes, também vão se manifestar, em uma mudança da coreografia habitual, mas com amplo significado, a defesa enfática da democracia.
No mesmo horário da sessão do STF começa na Câmara dos Deputados um jogo de cartas marcadas. Arthur Lira será reeleito presidente da Câmara, com apoio de lulistas e bolsonaristas, numa ampla convergência do fisiologismo de sempre, mascarada ou não por supostas divergências ideológicas. Evidente que a candidatura de protesto do deputado Chico Alencar, do P-Sol, vai apenas marcar posição, com um discurso crítico da atual gestão de Arthur Lira, em sua trágica parceria com Jair Bolsonaro. É jogo jogado.
O único suspense é a disputa pela presidência do Senado, marcada para a tarde da quarta-feira. Nos últimos dias, a reeleição de Rodrigo Pacheco, tida como favas contadas, começou a sofrer alguns revezes por conta da explícita gula do colega Davi Alcolumbre, que ficou com a boca torta pelo uso e abuso do cachimbo do Orçamento Secreto.
Nos últimos anos, Davi Alcolumbre se notabilizou por criar dificuldades em defesa de seus interesses, como na apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado da indicação de André Mendonça para o STF. Alguns senadores seguem esse método nos bastidores da sucessão no Senado, estão pondo preço por seus votos. Outros querem implodir a dobradinha para sucessivas troca no poder entre Rodrigo Pacheco e Davi Alcolumbre.
Tudo previsível. Na Câmara, a farra segue mais ou menos na mesma toada. No Senado, o que já não está bem pode piorar com a improvável eleição do bolsonarista Rogério Marinho.
A conferir.