Desde sempre, a Justiça no Brasil parece reproduzir a gangorra na política. Há muitas e muitas décadas prevalece no país a máxima de “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. No antológico Quincas Borba, Machado de Assis foi no ponto: “O melhor modo de ter o chicote é ter-lhe o cabo na mão”. A avidez pelo desmonte da Operação Lava Jato reproduz os defeitos a ela atribuído.
O parecer do ministro do Benedito Gonçalves propondo a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol, endossado por todos seus colegas no Tribunal Superior Eleitoral, é a negação de toda a pregação da advocacia criminalista em favor de uma justiça “garantista” dos direitos dos réus. Essa turma simplesmente fingiu que não viu.
Pelo prognósticos de advogados e repórteres que cobrem o STF, os garantistas do STF, como Gilmar Mendes, vão referendar a decisão do TSE. É o avesso do discurso que adotaram para enterrar a Lava Jato.
O que está em questão nem é mais se Sérgio Moro e Deltan Dallagnol extrapolaram suas atribuições legais. Depois de endossar uma penca de decisões de Moro e seus parceiros, inclusive a prisão de Lula, o STF fez uma revisão e anulou as sentenças de Moro, classificadas como parcial.
Na esteira dessa virada da ventania, a Procuradoria-Geral da República, sob a batuta de Augusto Aras, detonou a força tarefa do ministério público. Alvejada por todos os lados, a Lava Jato parecia ter morrido. Além de seus escombros, o que ainda restava começou a ser removido pelo juiz Eduardo Appio, escalado para a famosa 13 Vara Criminal de Curitiba. Lá, suas seguidas canetadas anulavam condenações e delações sobre megas esquemas de corrupção.
Estava virando celebridade quando foi afastado do cargo pelo Tribunal Regional Federal da 4 Região, acusado de ter ameaçado um dos desembargadores que investigava sua conduta em outros procedimentos. Pela denúncia, Appio tentou constranger o desembargador Marcelo Marucelli em um telefonema em que teria usado nome falso para ameaçar seu filho, o advogado João Eduardo Barreto Marucelli, sócio e genro de Sérgio Moro.
A conversa constrangedora, em que revelou ter acesso a dados confidenciais de João Eduardo, terminou com uma ameaça velada. “E o senhor tem certeza de que não tá aprontado nada?”. Pela investigação do TRF, com o auxílio da Polícia Federal, além da probabilidade da voz no telefonema gravado ser do juiz Eduardo Appio, há digitais dele no acesso a dados confidenciais de João Eduardo.
O que se espera diante dessas evidências é um mínimo de cautela. Não foi a reação do advogado Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakkay, a mais estridente voz do movimento de parte dos criminalistas contra a Lava Jato: “Afastar o juiz de sua jurisdição por um ato que, ao que tudo indica, não tenha gravidade suficiente para tal, é um abuso inominável. É o judiciário desdenhando do judiciário”.
Como assim? Quando a Vaza Jato revelou conversas em que juiz e procuradores da Lava Jato acertavam procedimentos nas investigações, Kakkay e outros advogados defenderam a prisão de Sérgio Moro. Agora, diante a acusação de tentativa de chantagem de um juiz a um desembargador, antes mesmo de concluída a apuração, é definido por Kakkay como um ato de menor gravidade.
O problema é que esses dois pesos e duas medidas parece valer também em julgamentos em última instância em Brasília.
A conferir.