Condenado em 23 processos que somam mais de 430 anos de prisão, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, cumpriu apenas seis anos das sentenças ainda não transitadas em julgado. Por isso, deixou o presidio em dezembro do ano passado para morar em um apartamento de frente ao mar na bela praia de Copacabana.
No último final de semana, o colunista do Metrópoles, Guilherme Amado, publicou uma entrevista exclusiva com Cabral, a primeira após deixar a cadeia, na qual ele prova que o Brasil, de fato, é o país da impunidade e que aqui “o crime compensa e recompensa”, como cantou Leo Jaime no disco Sessão da Tarde, lançado em 1985.
As declarações do ex-governador mostram uma visão de mundo completamente distópica, na qual corrupção e desvio de dinheiro são crimes de menor potencial ofensivo. A entrevista é um soco na cara do cidadão comum.
Cabral minimiza todos os fatos pelos quais foi condenado, normalizando a corrupção. Como a maioria dos políticos acusados em seus malfeitos, culpa terceiros. O juiz Marcelo Bretas, que se encontra na berlinda atualmente em processo que tramita no Conselho Nacional de Justiça, foi o mais atacado. Entre outras coisas, ex-governador o acusou de ser um “falso evangélico”.
Por fim, creditou suas condenações a uma campanha, articulada “pela direita para desmoralizar a política e às instituições democráticas”, da qual fizeram parte a justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal e a imprensa.
Reconheceu o crime de caixa 2, mas deixou claro que para ele trata-se de uma corrupção sem importância- como se isso existisse. E tentou convencer que o dinheiro desviado das empreiteiras que pagaram propina a ele e aos seus aliados não vinha do superfaturamento dos contratos, mas da própria margem de lucro da empresa e que “moralmente” isso faz diferença.
Garante que não fez patrimônio com o dinheiro de corrupção. As joias que comprava para a ex-mulher, Adriana Ancelmo, também presa por corrupção, não representam patrimônio, mas consumo. “Eram compradas apenas em datas festivas”, desconversou.
Ao longo de toda entrevista, o único arrependimento demonstrado pelo ex-governador foi de ter tentado fechar com a Justiça uma delação premiada, na qual fez acusações ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e ao atual presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas. “Graças a Deus o Supremo anulou”, comemorou.
A delação, segundo relatou, foi fruto da tortura psicológica a que teria sido submetido no período em que esteve na prisão.
O vídeo é um teatro. Durante pouco mais de 40 minutos, Cabral chora e acaba copiando Bolsonaro ao usar e abusar do nome de Deus para falar sobre o tempo na prisão e misturar política, direita e esquerda com fé.
“Essa gente odeia a democracia, eles são de direita, eles são preconceituosos. Eles têm horror à política de cotas, eles têm horror à vida progressista. Eles têm horror a isso. Eles são de direita e ainda usam o nome de Deus. Eu sei o que é Deus, porque, se não fosse Deus, eu não estava vivo hoje. Eu sei o que é Deus, numa cela 22 horas por dia sozinho. Esses caras não sabem nada do que é Deus. Esses caras são o anticristo”.
O mais triste de tudo é constatar que se for candidato a qualquer cargo, seja no Rio de Janeiro ou em qualquer parte do Brasil, tem grande chance de ganhar…