Os atos golpistas do 8 de janeiro e a crise institucional que se seguiu dominaram o debate no primeiro mês do governo Lula, que passou a controlar a pauta ao debelar os riscos de ruptura democrática e catalisar uma reação quase unânime das forças políticas ao golpe. Mas a normalidade, traduzida pela acomodação militar depois da substituição do comandante do Exército, vai se impondo. O jogo muda de fase e entram em cena desafios políticos que vão obrigar Lula a operar em outro campo.
O próprio presidente da República mostrou estar consciente disso ao fulminar, em entrevista, a criação da CPI dos Atos Golpistas, que estava prontinha para ser criada no Senado e agora deve ser engavetada por articulação dos líderes governistas. O recado do Planalto é de que não há tempo nem energias a perder com CPIs – sempre uma fonte tensão para qualquer governo – com uma pauta legislativa tão extensa e desafiadora pela frente.
A maioria garantida até agora com a distribuição de espaços no governo será posta à prova com a posse do novo Congresso e a eleição de seu dirigentes semana que vem. Ajuizadamente, o Planalto apostou nos cavalos que têm aura de vencedores, os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco – o primeiro até agora sem adversários conhecidos e o segundo tendo como desafiante, com poucas chances, o bolsonarista Rogério Marinho.
Tudo indica que o governo e sua nova base sairão vencedores nessas disputas – e que, por isso mesmo, Lula terá um grande saco de batatas a descascar nos tempos que virão. Partidos do Centro não-centrão, como MDB e PSD, e do próprio Centrão, como o União, não costumam operar no atacado, e vão apresentar suas faturas a cada votação importante do varejo governista. E serão muitas.
Há urgência na aprovação das medidas provisórias do pacote fiscal de Fernando Haddad, inclusive a polêmica que acaba com o voto de qualidade no Carf. A reforma tributária precisa ser votada no primeiro semestre para manter a credibilidade do discurso econômico do governo, caso também do projeto de lei complementar com o novo arcabouço fiscal que Haddad promete mandar ao Congresso até abril. Sem falar no Pacote da Democracia com medidas importantes contra atos terroristas.
Tudo isso precisa de maioria qualificada – três quintos dos votos para aprovar PEC e maioria absoluta para os PLCs – o que a nova base parlamentar, ainda que reunindo mais da metade dos parlamentares, não garante com a devida segurança. Não por acaso, os articuladores do Planalto negociam apoio com o Republicanos da Igreja Universal e da TV Record – e também do governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Não vai sair de graça, assim como custará caro também adesão de integrantes do PL de Bolsonaro.
Lula sabe, acima de tudo, que vai ter que ser rápido no gatilho – é a linguagem de boa parte desse pessoal – para aproveitar os ventos favoráveis de todo início de governo, que acabaram reforçados pela absurda tentativa de golpe sofrida no 8 de janeiro. Esse cenário, com Bolsonaro no pelourinho dos golpistas, tendo os malfeitos de sua gestão amplamente expostos, não vai durar para sempre. A trégua política – e, principalmente, midiática – pode acabar de uma hora para outra.