O que Lula ganha ao atacar aliados retomando a narrativa de golpe?

Acossar aliados com o país ainda dividido não parece ser uma boa ideia

Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de abertura do Encontro Empresarial Brasil-Argentina - Foto Ricardo Stuckert/PR

A viagem de Lula aos países vizinhos – Argentina e Uruguai – tem rendido dor-de-cabeça aos conselheiros mais próximos. Não apenas por falar moeda única do Mercosul, que gera bastante desconfiança e desconforto aos brasileiros diante da grave situação pela qual vive a Argentina com uma inflação de mais de 100% ao ano, mas também por retomar, gratuitamente, a narrativa de que o impeachment de Dilma Rousseff foi golpe.

O presidente parece que ainda não se deu conta de que a eleição acabou e que herdou um mar de problemas da desastrosa gestão Bolsonaro. Sua principal missão à frente da presidência da República é pacificar e reconstruir o Brasil, devastado pelo desmonte causado pelo antecessor.

Embora diga que não tem ressentimentos, ao falar sobre golpe, Lula mostra o que verdadeiramente sente e que o revanchismo pode ser uma marca da sua nova gestão. Péssima ideia. Não foi apenas Michel Temer que reagiu a fala do petista. Pelas redes sociais, o Roberto Freire mandou um recado claro: “Lula não vai convencer na goela a imensa parcela da população que vê o desastre que foi a gestão Dilma e sabe que crimes foram cometidos na Petrobras. Tentar apagar a história em vez de olhar pra frente só vai alimentar o fascismo bolsonarista. Nós o vencemos por margem estreita”.

Freire tem razão. Lula não foi eleito como das outras vezes. Muitos votaram nele apenas para não reeleger Bolsonaro. Também é bom lembrar que graças ao apoio de partidos como MDB de Simone Tebet, conseguiu vencer. Não é de bom tom bater em aliados tão próximos.

Simone Tebet – Foto Divulgação

Talvez a ideia do petista seja mesmo de, a exemplo do capitão, vez por outra alimentar a militância mais radical para que ela se mantenha ativa. Nem sempre isso funciona, mas não deixa de ser uma estratégia.

Lula também erra ao falar, neste momento, em moeda única do Mercosul e financiamento de obras em outros países pelo BNDES. Promover a reaproximação do Brasil com seus vizinhos é sim um ponto positivo, mas ao tratar desses temas, sem antes esclarecer melhor o que vai ser feito é uma temeridade.

Ministro Fernando Haddad – Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil

A própria equipe econômica do governo se apressou em esclarecer alguns pontos, mas nos bastidores reconhecem o desgaste. Haddad sabe que terá dificuldades para aprovar uma proposta de reforma tributária junto ao novo Congresso que tomará posse semana que vem. Criar problemas com antecedência só vai dificultar as negociações.

Inoportuna também a fala sobre o financiamento de obras no exterior com recursos do BNDES. Lula mexe em um vespeiro e atrai para si e para o seu governo um desgaste desnecessário. Ainda são recentes os escândalos envolvendo esse tipo de empréstimos denunciados pelas investigações da Lava Jato. Mesmo que algumas obras beneficiem o Brasil, como é o caso do gasoduto da Argentina, é preciso primeiro que tudo seja explicado aos brasileiros antes de anunciar. Afinal, os erros cometidos pela Lava Jato não anulam ou erros cometidos na gestão petista.

Lula precisa ter mais cautela antes de sair falando por aí.

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