O processo inédito de injeção de moeda na economia com a compra pelo Banco Central de papéis privados dos bancos deverá beneficiar muito mais os banqueiros que o setor produtivo. A PEC 10 que está em processo de aprovação no Parlamento com o intuito de dar liquidez ao sistema financeiro permite que o Banco Central compre destas instituições ativos que deram lastros a operações de crédito ao setor produtivo como debêntures e outros papéis privados.
A intenção é evitar, diante da dificuldade das empresas em honrar as dívidas com os bancos em função da perda de receita com s coronavírus, uma quebradeira geral. Assim, o Banco Central entra comprando estes créditos injetando dinheiro nos banqueiros para que estes possam fazer novas operações de crédito ao setor produtivo.
Só que é da natureza do negócio do banqueiro evitar riscos e preservar a essência do seu negócio que é a liquidez dos seus ativos, especialmente em momento de crise como este. A maior parte deste dinheiro dado pelo BC aos bancos vai ficar em suas carteiras e será usado na compra de papéis do Tesouro Nacional. E mais: o BC corre o risco de acabar comprando uma grande quantidade de papéis podres de carteira dos bancos que vão virar prejuízo no balanço do BC e serão pagos no futuro pelo contribuinte.
A legislação em vigor permite que os bancos em dificuldades possam recorrer ao sistema de redesconto do BC. A diferença é que o banco terá que dar ao empréstimo que está tomando ativos reais, como prédios e outros bens, como títulos públicos e pagar juros sobre os recursos tomados.
Para melhorar a liquidez na economia, a autoridade monetária pode também reduzir as exigências de recolhimento de depósitos à vista e a prazo dos bancos. Nunca se deve esquecer também que os bancos vêm cobrando por décadas no Brasil spread bancários elevadíssimo para cobrir riscos de inadimplências.
É a hora dos bancos justificarem a cobrança já que o spread e as taxas de juros continuam nas alturas. E mesmo com a dimensão da atual crise, os bancos continuam ganhando muito líquido de R$ 3,75 bilhões no ultimo trimestre.
Dinheiro para produção, não especulação
Agora, se de fato a intenção da equipe do ministro da Fazenda, Paulo Guedes, é injetar liquidez na economia para evitar um quebradeira em cadeia do setor produtiva a solução deveria ser feita ao contrário. Para a economista Selene Peres Peres, uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Banco Central, através do BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste, deveria injetar recursos compra diretamente das empresas.
As empresas com maiores recursos teriam melhores condições de manter as cadeiras de produção em atividade. O setor produtivo teria condições de manter a oferta de bens, serviços, gerando empregos e impostos ao governo. Por este caminho, os próprios bancos seriam beneficiados, uma vez que as empresas teriam como pagar seus empréstimos.
Há, neste caso, também o risco de muitos empresários embolsarem os recursos e ficarem esperando a crise do coronavírus passar. Na época em que Guido Mantega esteve à frente do Ministério da Fazenda, o governo promoveu uma redução da carga de impostos para motivar as empresas de diversos setores a elevar a produção, o que seria compensado pelo aumento da arrecadação dos produtos. Os empresários incorporaram no lucro os ganhos com a redução de tributos e mantiveram a mesma produção, e até reduziram os empregos.
De fato, a realidade hoje é outra e de maior gravidade. O que está em risco é a sobrevivência de muitas empresas. O setor de produção de alimentos, a agricultura e toda a cadeia do agronegócio não corre este risco, o que é de grande ajuda.
Selene Peres Peres é de opinião de que não é o momento de economizar dinheiro para sair o mais rápido possível da crise, mas alerta que é necessário agir com efetividade para que o recurso público seja aplicado da melhor forma possível para manter empresas, empregos e socorrer a população desamparada.
Quanto menos for afetado o setor produtivo da economia, mais rápida a retomada do crescimento. Agora, não há dúvida que a conta dos gastos de enfrentamento ao coronavírus terá que ser paga no futuro pelo contribuinte.