O soro antiofídico se faz com o veneno da cobra. A vacina sai do vírus da peste. Agora vem uma novidade: para evitar inflação numa economia endividada à beira da inadimplência, emita-se dinheiro sem lastro. Num mercado quase soterrado por tanto papel, mais papel pintado é o remédio. Vale repetir a locução latina da homeopatia: similia similibus curantur (coisas semelhantes se curam com coisas semelhantes). Essa é a última tese da economia, a MMT, sigla em inglês para Teoria Moderna Monetária.
Por esta nova teoria, faz-se ajuste fiscal desequilibrando mais ainda o déficit. Emitindo moeda, até então considerada o crack da responsabilidade monetária. Pareceria brincadeira, se não fosse verdade. Em vez de fechar a boca, combata a gordura comendo chocolate. Para estabilizar a economia, evitar que o choque da dívida interna descontrole as contas públicas, a sugestão é fazer o contrário da voz corrente nas teorias ortodoxas, que prescrevem aperto monetário e juros altos para segurar surtos inflacionários. A ver.
O surpreendente economista André Lara Resende trouxe a novidade para o cardápio do debate econômico. Com o País ameaçado pela impagável dívida de curto prazo já batendo nos 100% do PIB, nada melhor do que estender esta mesma dívida no tempo de vencimento, jogando moeda no mercado para pagar a conta. Pelo menos, com isto, estende-se o prazo, pois a moeda em circulação não irá pressionar as finanças do estado imediatamente. Seria uma fórmula engenhosa de estender os vencimentos, diz Lara Resende. Não precisou muito e recebeu a adesão de outro improvável apoiador, o veterano economista Raul Veloso, considerado o mais qualificado especialista em finanças públicas no País. Com isto, fechou. Quem se arriscaria dizer que tal proposta é um sonho de uma noite de verão?
Raul Veloso doutor em economia pela Universidade de Yale (EEUU), ex-secretário de Assuntos Econômicos do extinto Ministério do Planejamento e conselheiro do BNDES, é um dos autores mais respeitados no mundo acadêmico. André Lara Resende é graduado pelo famosíssimo MIT dos Estados Unidos, o primeiro dentre muitos títulos acadêmicos e cargos importantes, e colega do economista Pérsio Arida no mesmo Massachusetts Institute os Technology, coautor do artigo que foi a semente do Plano Cruzado. Não bastasse, o outro defensor desta ideia é nada menos do que o Prêmio Nobel de Economia, o professor Milton Friedman, da Escola de Chicago, a origem e referência do ministro Paulo Guedes. Com esses padrinhos, a proposta tem cancha.
No Brasil, os economistas sempre tiveram grande influência nos governos e estiveram à frente das reformas mais importantes da História. A começar por Fernando Carneiro Leão, negro, primeiro presidente do Banco do Brasil, em 1809. Ele é mais lembrado por ter sido amante da rainha Carlota Joaquina, mas o barão e conde de Vila Nova de São José implantou a primeira casa emissora de moeda fiduciária no País, que foi a base de grandes investimentos públicos realizados durante o reinado de Dom João VI no Brasil. Se fosse hoje, Dom Fernando seria chamado de economista.
Também fundamental foi Rui Barbosa, mais conhecido por sua atuação jurídica e pelo refinamento de seus pronunciamentos políticos, mas foi o autor da reforma no governo Deodoro da Fonseca que deu sustentação aos sucessivos governos até a revolução de 1930. Também os governos de Getúlio Vargas tiveram grandes economistas com influência política. O primeiro foi o mais longevo dos ministros da fazenda, Arthur de Sousa Costa, no regime 1930/45 e, nos anos 1950, uma assessoria econômica formada por um time de jovens talentos, integrado, dentre outros, por nomes como Rômulo de Almeida, Roberto Campos, Celso Furtado, Inácio Rangel, Octávio Gouveia de Bulhões (integrante da missão brasileira a Breton Woods, na fundação do FMI, dirigida pelo economista Eugênio Gudin, este ministro da Fazenda no governo Café Filho, foi elogiado por John Maynard Keynes, o maior economista do século XX).
No regime militar nem se fala. Os economistas dominaram a cena desde os primeiros momentos, com a dupla Campos/Bulhões. Depois vieram nomes icônicos, Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen e, já no governo democrático, Dilson Funaro, no governo Sarney (autor do Plano Cruzado). Pedro Malan no governo de Fernando Henrique Cardoso, que operou a equipe mais talentosa da área econômica, integrante dos corpos profissionais das principais universidades do Rio e São Paulo (PUC-RJ, FGV, USP, Unicamp), que, além daqueles do Plano Cruzado, Lara Resende (foi presidente do Banco Central) e Arida (foi presidente do BNDES), levou para o cenário Pedro Malan, Edmar Bacha, e muitos outros. O governo FHC foi o paraíso dos economistas.
De lá para cá, o nome mais relevante, como originário da área acadêmica, é do economista Paulo Guedes, da Escola de Chicago, que, se seguir o conselho de seu mentor Milton Friedman, estaria em vias de mandar às favas os tetos e ajustes e voltar a tocar a “guitarra”, apelido da máquina impressora na Casa da Moeda nos tempos da inflação, solução “criativa” dos governantes de então para driblar os cofres vazios. A vingar a ideia de lançar dinheiro de helicóptero, dentro de pouco tempo o lobo guará da cédula de 200 reais será troco em lanchonete. Os economistas dizem que não. Grande debate pela frente.