Há controvérsia nas redes sociais se o provérbio do três sábios budistas é japonês ou chinês. O que importa é a sabedoria que expressa pelos três macaquinhos “não vejo, não ouço e não falo”. É o preferido de quem evita se comprometer nos mais variados tipos de investigação. Nessa terça-feira (16), aconselhado por seus advogados, foi a estratégia usada por Jair Bolsonaro durante depoimento de cerca de 3 horas à Polícia Federal.
Bolsonaro foi à PF explicar a farra com certidões falsas de vacinação contra o Covid, inclusive pra ele e para sua filha de 12 anos. No depoimento levado a termo pelo escrivão da PF em 12 páginas, diante da sequência de fraudes sob a batuta do seu braço-direito tenente-coronel do Exército Mauro Cid, comprovadas em ampla documentação, Bolsonaro se fez de alienado. Nada viu, nada ouviu e nada soube.
Disse o ex-presidente que só tomou conhecimento dos fatos pela imprensa quando o escândalo foi noticiado. Nada sabia sobre a fraude com seu cartão de vacina, com todas as digitais de sua cozinha pessoal no Palácio do Planalto, um time de militares liderados por Mauro Cid, que, lambuzados, comprometeram suas carreiras nas Forças Armadas.
Estranho é que, se ignorava os registros de vacina em seu nome no sistema ConectSus, por que Bolsonaro decretou sigilo de 100 anos para seu cartão de vacina? Só pelo prazer ou vício de esconder o que deveria ser público? Ou por que sabia ter alguma culpa no cartório?
Em seu rosário de negativas, ele deixou a batata quente inteira para Mauro Cid, que, depois de trocar de advogado, substituindo Rodrigo Roca identificado com o clã Bolsonaro por Bernardo Fenelon, especialista em delação premiada. Por mais que o entorno de Bolsonaro assegure que a fidelidade de Cid segue intacta, vale aguardar o depoimento do tenente-coronel previsto para essa quinta-feira (18) e também o da sua esposa Gabriela Santiago Cid, com várias viagens a Estados Unidos e Europa com o cartão de vacina contra Covid fraudado.
No interrogatório, Bolsonaro teve que responder a várias perguntas sobre o major Aílton Barros, expulso do Exército. Foi ele quem intermediou o acesso palaciano ao esquema de fraude com cartões de vacina na prefeitura de Duque de Caxias, baixada fluminense. Seguindo o mesmo script, Bolsonaro negou saber das falcatruas. Disse apenas que conhece o major Aílton há mais de 20 anos em função de eventos da Brigada Paraquedista no Rio de Janeiro, e depois nas campanhas eleitorais, como a de 2022 quando Aílton se candidatou a deputado estadual se apresentando como o 01 de Bolsonaro. Mesmo com tal padrinho, não conseguiu se eleger.
Foi na sequência do interrogatório sobre a sua relação com o major Aílton que a PF começou a puxar o fio de outra encrenca – a conspiração por um golpe militar para anular a eleição presidencial vencida por Lula e prender o ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes.
Diante de áudios e mensagens golpistas entre o major Aílton, Mauro Cid, o coronel Élcio Franco, entre outros militares, Bolsonaro de novo disse que não sabia de nada. Não lembrava de ter recebido mensagens que, segundo o próprio Aílton, lhe teriam sido enviadas. Declarou que “não participou ou orientou qualquer ato de insurreição ou subversão contra o Estado de Direito”.
O depoimento de Bolsonaro parece ser apenas um aperitivo do que a PF prepara para o tenente-coronel Mauro Cid, o braço-direito do ex-presidente em uma penca de encrencas.
A conferir.