Lula tá nadando de braçada na Conferência do Clima no Egito. Em Brasília, Geraldo Alckmin toca a transição com todos os poderes como se navegasse em águas tranquilas. Jair Bolsonaro, que perdeu a luta por pontos, parece ignorar os espasmos aqui e ali de seguidores inconformados, e, de bermuda, comporta-se como um nocauteado no Palácio da Alvorada.
Depois de tudo que rolou na campanha eleitoral, marcada por sucessivos estresses, parece surreal. Não é ruim. Pelo contrário, ajuda a desopilar o país que parecia irremediavelmente dividido. O problema é que, tanto como a guerra artificial alimentada durante anos, essa repentina “trégua” soa como falsa. Além de motivar variadas suspeições, gera um monte de piadas.
E até puxada de orelha de aliados. Nessa quarta-feira (16), quando teve que substituir Bolsonaro na recepção a novos embaixadores no Palácio do Planalto, o vice-presidente Hamilton Mourão, confortável na condição de senador eleitor, deu seu diagnóstico. Ao constatar que os 58 milhões de votos de Bolsonaro, mesmo perdendo a eleição para Lula, lhe dá um inegável cacife político, deu um estocada:
— O presidente Bolsonaro, quando emergir do retiro espiritual dele, vai compreender que ganhou esse capital. Acho que ele tem que se posicionar no espectro político, trabalhar politicamente. Vai ser a primeira vez que ele não tem mandato. São 33 anos. É uma vida.
Com toda delicadeza, de maneira intencional ou não, Mourão botou o dedo na ferida. A partir de 1 de janeiro, após décadas, Jair Bolsonaro ficará sem o escudo do foro privilegiado. Mais do que suas frustrações, tristezas e arrependimentos, são seus temores que, após a derrota para Lula, até agora o mantiveram inerte no Palácio da Alvorada.
Aliás, esse medo de que seus malfeitos e do seu clã fossem punidos foi sua bússola em seus quatro anos de mandato. Motivou sua obsessão em controlar o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal, o COAF, e a se jogar nos braços do Centrão. Sua gestão foi marcada por incessante busca de impunidade. A derrota na urnas, mesmo com tantas trapaças durante a campanha eleitoral nos dois turnos, reavivou seus fantasmas.
Enquanto alguns fanáticos seguidores, financiando ou financiados, seguem acampando na vizinhança de quartéis, Bolsonaro segue obcecado por algum tipo de anistia para si e os seus. O histórico da política nacional mostra que, em algum momento, tudo tende a virar pizza.
A conferir.