O gol de mão, portanto irregular, que o atacante Jô, do Corinthians, marcou contra o Vasco na rodada passada do Campeonato Brasileiro, provocou não somente a revolta dos torcedores cruzmaltinos, mas também trouxe de volta discussões intermináveis sobre o tema. Mais uma vez está de volta uma série de propostas de recursos para dirimir esse tipo de dúvida que influi diretamente no resultado de uma partida, de um campeonato e no destino de um clube, de um atleta ou de um árbitro.
Há muito se discute e se busca solução para esse inquietante problema, o gol irregular. Uns de mão, outros em impedimento ou até mesmo se a bola realmente cruzou a linha ou não. A FIFA, que é o órgão maior do futebol no mundo inteiro, trata esse assunto com a maior atenção. Tanta atenção que até hoje não determinou definitivamente uma atitude clara para solucioná-lo. Nem mesmo nos jogos de seu cardápio de competições — torneios, campeonatos e, até mesmo na Copa do Mundo — ela obriga que se recorra ao artifício de consultar os vídeos para dirimir tais dúvidas.
O mundo do futebol é repleto de paixões, interesses e opiniões. Há quem defenda a adoção da consulta aos vídeos porque isto seria mais justo. Mas, ao contrário, há quem ache que a dúvida e a imprecisão são combustíveis do fascínio pelo jogo. Uns acham que a entrada do meio eletrônico para aclarar como foi um determinado lance é “matar” o esporte mais querido de bilhões de pessoas do planeta. Outros acham bastante a “novidade” do quarto e quinto árbitros, os chamados juízes de linha. Sucede que o olho humano não tem sido o suficiente para captar os lances irregulares.
Nas partidas de tênis e vôlei o recurso de consultar os vídeos resolveu o problema. Os juizes podem se socorrer das gravações para tirar suas dúvidas. Se a bola foi dentro ou fora das linhas da quadra de jogo, se bateu num jogador antes de terminar o lance ou se um atleta tocou a rede, por exemplo. O Comitê Olímpico há muito tempo admitiu em suas competições esse recurso. O corpo de arbitragem pode recorrer à tecnologia da filmagem eletrônica para verificar se um corredor, por exemplo, partiu antes do tiro de largada ou qual foi deles o primeiro a cruzar a faixa de chegada.
As competições do turfe, por exemplo, foram as pioneiras em adotar essa inovação. Os grandes hipódromos instalaram o famoso photochart ainda nos anos 1950. O photochart é uma maquininha que funciona com a mesma precisão da atualíssima tecnologia dos vídeos. Jamais um perdedor ou vencedor reclamou do “veredicto” do photochart, a maquininha que aponta a posição de chegada de cada cavalo.
É verdade que isto deu maior caráter de precisão e justiça a esses esportes. Mas a grande pergunta permanece: aconteceria o mesmo com o futebol? E há também a questão prática e objetiva. Por exemplo, quem tem autoridade para requisitar o “olho eletrônico”? Qualquer atleta dentro de campo, qualquer um dos árbitros, os técnicos, um simples torcedor? Quem? Aliás, primeiramente é necessário dotar os estádios desse equipamento. Quais e quantos estádios no Brasil têm essa tecnologia e aparelhagem prontas para uso? Quais jogos a teriam? Todos, alguns, somente os clássicos? Quais competições? As internacionais, nacionais? Só nas finais? E as semi-finais? E as regionais? Quando? A partir de que data? Quanto custa?
São perguntas que juntam-se a outras questões. Por exemplo, os juízes estão devidamente preparados para isto? Os torcedores vão ver o vídeo do lance? Em telões? Os estádios são providos de telões? Essas consultas irão quebrar o ritmo dos jogos, tirando-lhes a emoção? Aliás, quantas consultas poderão ser feitas? Uma, duas, oito? São enfim, questões que precisam de respostas objetivas e que não venham complicar ainda mais as competições. E que as polêmicas sejam inteiramente dirimidas a ponto de convencer o torcedor, esse cara de cegas paixões.
Com certeza, antes dessa medida entrar em vigor definitivamente a CBF tratará de fazer simulações, treinamento e avaliações. Não custa lembrar que são infinitas as situações que podem surgir num jogo de futebol. Por exemplo quem esperava que o fairplay do zagueiro do São Paulo Futebol Clube fosse ser maior que qualquer tecnologia. O jogador confessou ao juiz que ele mesmo fizera uma falta no goleiro do seu time e não Jô. Por coincidência, o atacante Jô, que não teve a mesma atitude do companheiro de profissão ao falar sobre seu gol de mão contra o Vasco. A inesperada confissão do defensor mudou a decisão do árbitro que “viu” culpa de Jô, expulsando-o do jogo. Voltou atrás de sua decisão.
Túlio Maravilha, o artilheiro que quase mil gols, já tinha chegado às redes de todas as maneiras. Usando a cabeça, o pé direito e esquerdo, o calcanhar, o peito, etc. Na Copa América de 1995, o lendário atacante do Botafogo servindo à Seleção Brasileira, ajeitou a bola com mão para vencer o goleiro da Argentina. Os hermanos foram eliminados na semi-final.
Os argentinos nem insistiram em reclamar o gol de Túlio. Porque na Copa do México, em 1986, seu maior ídolo, Diego Maradona, protagonizou talvez o mais famoso gol de mão de todos os tempos. A seleção argentina derrotou a Inglaterra e acabou campeã do mundo com um “golaço” irregular.
E veja que esse mais chocante dos gols ilegais aconteceu numa Copa do Mundo. Na disputa com o goleiro britânico Peter Shilton, Maradona usou o punho esquerdo para marcar pela segunda vez naquela partida. O juiz, os bandeirinhas e até mesmo os 114 mil presentes ao Estádio Azteca se confundiram. Após o lance, com a bola já nas redes, Dieguito correu para a torcida comemorando o feito. Depois da vitória, na entrevista, Maradona disse: – Fue la mano de Dios, amigos.
Outro lance polêmico aconteceu no Stade de France, em Paris, com o goleador Thierry Henry, da seleção francesa. Nas eliminatórias da Copa de 2010, o atacante escorou um cruzamento do companheiro de equipe, o zagueiro Gallas, com a mão e a bola acabou dentro das redes e desclassificando o time adversário. O gol foi decisivo porque o placar de 1 a 1 deixou fora do mundial a Irlanda.
O gol irregular da equipe francesa provocou nova grita geral. O árbitro sueco Martin Hansson ficou em dúvida, mas confirmou o gol. Foi duramente criticado e, mais uma vez, a FIFA passou a considerar a possibilidade de consultar os vídeos para evitar confusões dessa grandeza. Thierry Henry confessou que tocou a bola com a braço. Mas alegou: – Não sou o juiz.
São muitos os casos de gols irregulares. Em 2007, num jogo contra o Espanyol, Lionel Messi repetiu o conterrâneo argentino, Maradona. Saltou entre dois zagueiros tocou a bola com a mão e saiu comemorando. No Morumbi, Adriano, numa semifinal do Campeonato Paulista deu a vitória ao São Paulo contra o Palmeiras com gol idêntico. Para revolta dos torcedores do verdão e alegria aos são-paulinos. E mesmo a Seleção Brasileira sofreu uma eliminação com gol irregular. Foi ainda quando Dunga era o técnico do nosso time e perdemos para o Peru num lance inteiramente ilegal em que Raul Ruidias usou o braço para nos derrotar.
Todas as hipóteses devem ser consideradas. Imagine se o Corinthians for campeão justamente por conta desses pontos que foram para sua conta no jogo contra o Vasco. E se o time de São Januário porventura for rebaixado em decorrência da pontuação que injustamente deixou de ganhar no jogo do gol do Jô? E mais, se outro clube qualquer sofrer influência disto na tabela de classificação?
Não somente os gols de mão são razão para se recorrer aos videos para dirimir dúvidas sobre um lance. Na Copa de 1966, talvez esteja outro gol igualmente injusto. A Inglaterra sagrou-se campeã do mundo com uma bola que, aparentemente, não entrou. Para os ingleses, sim. Para os alemães, não. Naquela época os recursos não eram tão modernos e perfeitos como hoje. Aliás, nessa época era impensável imaginar levar uma dúvida desse tipo para uma prova de averiguação. O certo é que mesmo observando a imagem do filme, o mistério permanece. Foi gol ou não?