A crise que não acaba atiça o cheiro de pólvora

Na Esplanada dos Ministérios, o boneco do general Mourão numa manifestação que prega o golpe militar. Novembro de 2015. Foto OrlandoBrito

Pelo jeito, militares são previsíveis até na escolha do sobrenome. Se um general Mourão, o Olímpio, desencadeou o golpe militar de 1964, vem agora outro general Mourão, o Antonio, falar em “intervenção militar”, que é o novo eufemismo para golpe. Ser previsível é característico da disciplina e da rotina militar. Para o bem e, como nesse caso, para o mal.

General do Exército, Eduardo Dias da Costa Villas Bôas. Foto Orlando Brito

Previsíveis que são, os militares não são de cometer desatinos. Se o general Antonio fala em “intervenção”, se depois não é punido e se o comandante do Exército, Eduardo Villa Boas, chega a admitir, na entrevista que deu a Pedro Bial na TV Globo, a possibilidade de os militares intervirem diante da ameaça de caos, fica evidente que a fala do segundo Mourão não foi um deslize. Mas um recado.

Desde que se inviabilizaram as condições políticas de Dilma Rousseff, o país tem bordejado os limites da legalidade para sair da crise em que se enfiou. Para alguns, o impeachment foi um golpe parlamentar. Sem entrar aqui no mérito, já que o processo respeitou os preceitos da Constituição, foi fato também que houve dificuldade para definir sobre Dilma o crime de responsabilidade. Tanto que, ao final, o Senado chegou à esdrúxula saída de retirar o mandato dela mantendo seus direitos políticos, um fatiamento da pena que somente uma leitura muito enviesada do texto constitucional permitia.

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Ao contrário, porém, do que muitos imaginavam, a saída de Dilma não estancou a crise política. A Operação Lava-Jato e seus desdobramentos são um questionamento da Justiça, da Polícia Federal e do Ministério Público acerca da forma como se relacionam financiadores e financiados na política. Em todos os partidos. Em todos os níveis. Assim, desmantelado o núcleo do PT, partiu para o núcleo do PMDB. Fustigou uma presidente. Fustiga um presidente. Não dá sinais de que pretenda parar.

Por outro lado, mesmo sendo alvo da Justiça, Luiz Inácio Lula da Silva segue liderando todas as pesquisas. Se disputar as eleições, tem chances concretas, reais, de se eleger novamente presidente. Da forma como se polarizou a situação, será o presidente de uma parte do Brasil. Com uma outra parte que terá imensas dificuldades em aceitar o resultado passivamente. Não há muita dúvida de que com ele de novo no Palácio do Planalto é grande a chance de o país continuar sem se pacificar.

Lula e eleitor do PT. Foto Orlando Brito

E também há chances grandes de o país não se pacificar em algumas outras possibilidades. Se cair nas mãos de um radical como Jair Bolsonaro, por exemplo.

O Brasil paga o preço de ao longo da história se valer dos militares como ferramenta por não conseguir resolver seus problemas políticos pela via civil e democrática. A Proclamação da República já foi um golpe militar. Em 1930, Getúlio Vargas teve o apoio dos “tenentes” para derrubar a República Velha. Entre 1945 e 1964, houve mais de uma tentativa de tomada de poder pelos militares. Até conseguirem.

Neste momento, o Congresso mais uma vez patina e outra vez não consegue costurar uma reforma política que minimamente preste. O Supremo Tribunal Federal perdeu sua serenidade costumeira e virou uma casa em que os ministros batem boca como lavadeiras bem instruídas (que trocam os xingamentos tradicionais por frases mais elaboradas). Resiste-se às mudanças de comportamento na política. E, pelas redes sociais, a população transmite tudo, menos bom senso.

Neste momento, assanha-se o cheiro de pólvora nos quartéis. É preciso deixar claro que tal opção será o reconhecimento do nosso fracasso como civilização. Nas democracias, militares são servidores dos civis. Não o contrário…


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