Ladrão sem delação I. A lei que instituiu a delação premiada (aprovada, enfatize-se, pelo Congresso Nacional) tem pelo menos uma fragilidade. Cabe ao Ministério Público (MP) ou a Polícia Federal negociar os termos da delação e ao Judiciário homologar seus aspectos formais. Fechado o acordo, o traidor sabe que benefícios terá e o MP tem assegurado quais delitos serão confessados. Ocorre que, neste formato, o MP assume o papel do Judiciário.
Ladrão sem delação II. Edson Fachin, o juiz da Suprema Corte que homologou o acordo entre a JBS e o MP, rebateu as críticas ao generoso acerto dizendo que a ele cabia analisar “questões formais e não o conteúdo da denúncia”. Agora, por iniciativa dos juízes Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, aquela Corte poderá rever o acordo, quiçá desestimulando futuros alcaguetes.
Ladrão sem delação III. Sem as delações o Brasil não tomaria conhecimento da gigamensa podridão entranhada no Estado. Por meio delas, sabe-se que as três principais siglas (PT, PSDB & PMDB) estão carcomidas por delinquentes, ao mesmo tempo em que grandes empresários compraram (ou compram?) o sucesso nos negócios num jogo mútuo de sem-vergonhice.
Ladrão sem delação IV. Enfraquecer este instrumento legal é fortalecer a resistência dos meliantes do erário soltos e ocultos (alguém acredita que somente empreiteiras e frigoríficos compraram o sucesso empresarial?). Por mais polêmicas que sejam, as delações transformaram-se em instrumento sine qua non para desbaratar quadrilhas de colarinho branco, até então inalcançáveis. O caminho é aperfeiçoá-la, não extingui-la.
Ladrão sem delação V. “O conceito da delação premiada existe, com outros nomes, em quase todos os países da América Latina. No Peru, usamos muito esse instituto no caso de Fujimori [ex-ditador peruano preso desde 2005] e Montesinos [braço direito de Fujimori] no ano 2000. Houve resistência de setores conservadores que defendiam ser imoral negociar com os corruptos. Eu sempre sustentei que imoral era não chegar aos crimes, não repatriar o dinheiro e manter a impunidade. Os italianos nos ensinaram em sua luta contra a máfia que a denúncia de um “insider” é muito importante, senão a única forma de avançar neste tipo de investigação”. A avaliação é de José Ugaz, presidente da Transparência Internacional, organização de influência mundial voltada ao combate à corrupção.
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Moreno, o generoso I. Não contei, mas parece que “generoso” tornou-se o adjetivo mais usado para definir o jornalista Jorge Bastos Moreno, que foi embora esta semana. Não é sem merecimento.
Moreno, o generoso II. Este escrevinhador é prova modestíssima. Durante 12 meses o site d’O Globo publicou minhas crônicas no Blog do Moreno. Eis parte do currículo que exibirei com júbilo.