O exemplo veio de cima e, agora, é a vez de auditores do trabalho e procuradores anunciarem que não vão cumprir a nova legislação trabalhista, conforme informa o Valor desta quinta, 19. A rebeldia institucional foi anunciada uma semana depois que juízes do trabalho anteciparam que não vão cumprir o que o Parlamento aprovou.
A origem da insubordinação partiu do STF. Seu ativismo político já legalizou o aborto até o terceiro mês de gravidez. Noutra frente, parte expressiva de seus membros decidiu que pode castrar mandatos de quem foi eleito pelo voto direto.
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Este último embate provocou pungente divisão acadêmica. Parcela expressiva dos senhores do Direito e de jornalistas concluíram que uma banda do STF detém a prerrogativa de afastar parlamentares. Outro grupo, igualmente vultoso, entende que senadores e deputados têm mandato eletivo e, portanto, não são suscetíveis de cassação cautelar.
Dividiram-se juízes, dividiu-se a mídia. No STF, 6 a 5 contra a cassação. Enquanto O Globo defende o cumprimento irretorquível da decisão suprema, o Estadão prega que os senadores desfaçam o veredito da Corte Máxima.
Meliantes do erário
A rala credibilidade dos políticos e o afã de punir meliantes do erário travestidos de parlamentares reveste a defesa do afastamento cautelar de um parlamentar (com mandato e com votos) por um juiz (vitalício e sem votos) de legalidade aparente. “Se é ladrão, justo que seja logo punido” é o pensamento original da premissa.
Para o primeiro grupo, diante da inquietação popular que anseia pela punição de corruptos, adotar-se-ia regra geral escanchada numa situação específica – Aécio Neves, no caso. Vicejaria o entendimento de que juízes podem cassar o direito erigido pelo voto. Atalho para uma República de Magistrados.
A decisão que prevaleceu, então, implica que parlamentares são inimputáveis? Não.
Implica, primeiro, que juízes não criam leis. Não existe previsão legal para suspensão de mandato parlamentar, logo a sentença baseou-se em norma produzida pelo Judiciário.
Mais relevante, no entanto, é o direito que juízes supremos têm, respeitado o devido processo legal, de julgar e condenar parlamentares. Esta faculdade permanece intocada.
Ocorre que raramente o Supremo debruça-se sobre o julgamento de meliantes. Tirante o Mensalão, que desvendou corrupção capitaneada pelo PT, o STF parece abdicar do trabalhoso processo penal.
Diante da inatividade, as denúncias se acumulam. Difunde-se, assim, a suspeita de que, alvejado o PT, a higienização estaria encerrada – livrando PSDB, PMDB & Cia.
A morosidade da corte produz de prescrições de penas a situações esdrúxulas, como a de condenado pelo próprio STF que permanece solto. Mas o direito de encarcerar lá está, preservado.
Quando um vale por 11
O apregoado despreparo da corte para processos penais, justificativa para a leniência suprema, esbarra na efetividade do juiz Sérgio Moro. Com determinação, faz sozinho o que onze juízes supostamente superiores não conseguem.
Ah, mas o sufeta de Curitiba escolheu a Lava-Jato como o projeto de sua vida. Qual o juiz não se vale do livre arbítrio para escolher quem e quando julgar?
O STF tem o poder de condenar parlamentares. Não o exerce porque não quer. Como alternativa, escolhe atalhos menos custosos e mais céleres, como impedir que parlamentares votem e, até mesmo, destituir monocraticamente chefe de outro Poder.
Melhor seria se não existisse foro privilegiado. Se o crime do parlamentar for comum, que seja julgado por um juiz comum. Mude-se a Constituição.
Até mesmo a suspensão do mandato por decisão judicial pode ser instituída. Crie-se norma legal. Basta aos eleitores pressionarem seus candidatos.
O que não deve ser rompido é o equilíbrio e a independência dos poderes. Quando um se sobrepuser a outro ou invadir a competência alheia instala-se o desequilíbrio.
A desigualdade de forças, mais do que perigosa, é deletéria à harmonia indispensável em democracias saudáveis. Como nossa democracia recende aos odores dos enfermos, prudente não arriscar.
O NOME DISSO É MÚSICA: Beethoven / Anastasia Huppmann.