Em 2003, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República erguia uma divisória imaginária na história do Brasil. Um ex-operário, líder de massas, à frente de um partido nascido na luta contra a ditadura militar marcaria de forma indelével a história nativa.
A esperança numa nova forma de fazer política rivalizava com a desconfiança no fundamentalismo exalante da agremiação que, nos 23 anos anteriores, esconjurou todos que divergissem de sua cartilha. A conversão pragmática do PT aos ditames econômicos liberais derrubou, naquele momento, o receio que despertara.
Lula (2003-2010) produziu, então, transformação aparentemente definitiva nas políticas de Estado. Assim como a estabilidade da moeda, alicerçada por Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a inclusão social tornou-se precípua em qualquer programa de governo.
Estuários dos humores das ruas, as redações jornalísticas refletiam, em 2003, o sentimento de esperança na nova política. Mesmo colegas que desacreditavam na capacidade petista de gerenciar uma das maiores economias do mundo, assentiam que, no campo da ética, a sigla representava novidade na política brasileira. “Radicais, mas honestos”, sintetizavam.
Parafusos, nunca mais
Estava tudo muito bom, tudo muito bem, mas, parafraseando a Blitz, o PT não soube retribuir o crédito eleitoral que conquistara. A tendência nata da esquerda ao autoritarismo sedimentaram a convicção de que seriam necessários muitos mandatos para completar sua obra messiânica.
Convencido de sua missão, mitigou princípios aparentemente basilares do lulopetismo. Entre eles, a ética na política.
O partido tratou de assegurar a hegemonia, lambuzando-se com o poder. A convicção sectária de que seus propósitos tudo justificavam conduziu a sigla à lenta degeneração. Dogmas – como o de que só o PT representa os pobres – justificavam os meios.
Com alianças cada vez mais largas, o partido foi afrouxando seus controles internos. Figuras deletérias se amalgamaram a grei companheira.
O afrouxamento em relação à vigilância intransigente com o bem público estribou-se numa convicção e numa esperteza (ou fraqueza, se se optar por um eufemismo). A certeza, arraigada na esquerda, de que não é larápio o que surrupia para o bem da causa.
Já a esperteza é traço comum à parcela dos que ascendem ao poder. Se detém as chaves do erário, por que não se locupletar. E assim se fez.
Aparentemente alegórico, episódio da segunda metade dos anos 1990 prenunciava o que viria. Um conhecido deputado, ao participar de reunião da bancada petista, reconheceu que, acostumado aos prazeres que a vida parlamentar propiciava, não voltaria à lide operária “para apertar parafusos”. Não voltou.
A frouxidão moral desvelou-se em 2005, quando o Mensalão veio à tona. O sistema de desvio de recursos públicos mostrou que, afora arrecadar para a causa, cumulava-se vantagens pessoais.
“O maior desastre, no entanto,
foi o rebaixamento da política
– a mais maldita das heranças.”
Veio a Lava-Jato, e os milhões viraram bilhões. A operação policial sediada em Curitiba indicou que, do erário, partiam também os dinheiros que fomentavam cabedais de velhos e novos companheiros, como os grandes empreiteiros.
A mais maldita das heranças
Como ato fatal, e tendo a soberba como conselheira, o PT sucumbiu à imposição de sua maior liderança. Com a popularidade inflada, Lula fez de Dilma Rousseff (2011-2016) a presidente do Brasil.
Arrogante, ela desprezou a política. Incompetente, afundou o país na recessão. Nesta ordem. O vocativo imposto – “sim, senhora presidenta” – barrava o juízo crítico.
O naufrágio da economia sorveu empregos, a inflação controlada e os investimentos num torvelinho que ainda vivenciamos. Nesta corredeira irrompeu o impeachment, chancelado pelo Parlamento, pela Corte Suprema e pelo povo – afora companheiros delatores.
O maior desastre, no entanto, foi o rebaixamento da política – a mais maldita das heranças. Quando ascendeu, o PT trouxe junto o sonho de que era possível exercer a vida pública com desprendimento franciscano e a convicção de idealistas. Falso como o discurso escapista do “golpe”.
À derrocada do projeto petista sobreveio o descrédito generalizado na política como mediação de conflitos e interesses divergentes. A melhor representação dessa decepção veio das multidões nas ruas a partir de 2013.
Ao vergar seus propósitos à avareza, o PT traiu a confiança de que seus quadros eram integrados majoritariamente de militantes por princípio e não por políticos sem princípios. Desfigurou-se de tal forma a agremiação que restaram caricaturas, como a arrogante presidente da sigla.
Ré por corrupção, ela é símbolo patético da decadência petista. Enquanto isto, inebriados seguidores da seita erguem seus punhos como se liderados fossem por José Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio que fez política como missão, não para enricar.
A despeito de tudo, Lula permanecerá como líder da sinistra. As grades do sufeta de Curitiba não têm o condão de roubar sua aura de Antônio Conselheiro. Quiçá a ampliem.
Já seu partido, aquele fundado em 1980, desapareceu. Começou a cavar seu jazigo em 2003, quando ascendeu ao poder.
Tinha o propósito entranhado na sinistra de, a qualquer custo, nunca deixar o poder. Treze anos depois, desferido o golpe na esperança, o PT saiu muito menor do que entrou.