O pastor e advogado André Mendonça nunca julgou uma ação, portanto, não condenou, prendeu ou libertou ninguém. É livre a elucubração sobre o que fará o futuro supremo sufeta. Vale lembrar, porém, que, com 27 anos pela frente na posição mais poderosa e inatingível da república brasiliana, provavelmente nem ele saiba plenamente como agirá nas próximas três décadas.
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Mendonça deve sua nomeação como juiz do STF (Supremo Tribunal Federal) ao presidente Jair Bolsonaro e ao Senado Federal. O mandatário fez como os antecessores e indicou alguém da sua guilda; daqui em diante, porém, perde o controle sobre o novo pretor. Senadores, únicos brasilianos com poder para processar e julgar integrantes do STF, exercem eterna pusilanimidade. Assim, os 11 sufetas dormem seguros de que nenhuma condenação formal os alcançará.
A exemplo de seus 10 colegas de tribunal, Mendonça agora está livre para exercer seu juízo. Como os demais, será influenciado pelos mais próximos – parentes, amigos e poderosos. Esta proximidade não evitou que outros juízes supremos detonassem interesses daqueles que os conduziram ao STF, pois quase nada se pode fazer contra um membro da Corte Suprema do Brasil.
Amoladores da fé
No campo da especulação, exercício ao qual se dedicaram progressistas de muitos matizes, é possível que ele se torne um juiz do nível dos togados mais antigos. O que isto significa, cada um interpreta conforme seus interesses e suas vicissitudes.
Como não pode ser julgado pelo que não julgou, Mendonça foi condenado pelo que é. Queixosos diversos, burocraticamente ressalvando que a religião do novo juiz não está em julgamento, e com o respaldo da sanha das redes antissociais, atacaram-no exatamente por sua fé.
Entre os achaques, a comemoração ao lado de aliados nos moldes e rituais evangélicos mereceu preconceituosa rejeição. A presença exultante de Michelle Bolsonaro atiçou inda mais os ânimos condenatórios. Com pesos distintos, a implacável patrulha da chamada esquerda reclama respeito a rituais religiosos macabros que sacrificam animais ou às crenças ancestrais que ceifam a vida de crianças com deficiências congênitas.
Mais do que o deboche com rituais de fé (que ninguém é obrigado a gostar, mas respeitar), há uma intolerância com aqueles que querem o mundo sem diversidade de gênero e elasticidade de costumes. (Sim, há muita intolerância em sentido invertido.) Constituir uma família em moldes tradicionais é um direito. As campanhas agressivas e cada vez mais impositivas da pauta identitária amedrontam crentes, que reagem, pois temem o autoritarismo arraigado da chamada esquerda quando galga o poder.
Da mesma estirpe?
No STF, ele terá que julgar temas com conotação religiosa como o aborto (bandeira de militantes que defendem os direitos dos humanos) e uma miríada de outros temas que também interessam a toda sociedade. André Mendonça talvez, então, se torne um juiz da estirpe dos demais togados.
Talvez se decidir anular uma votação do plenário da Câmara dos Deputados. Talvez se se tornar um xerife com poderes para acusar, investigar, julgar e condenar – mesmo quando ele for a vítima. Talvez se decidir afastar liminarmente o presidente de outro Poder. Talvez se extinguir uma investigação criminal que tenha levado, pela primeira vez na história do Brasil, à condenação de homens + brancos + ricos + poderosos. Talvez se libertar criminosos juramentados. Talvez se decidir legislar no lugar do Parlamento. Talvez se proibir que elementos da Corte sejam investigados. Talvez se decidir estender por anos um bilionário auxílio-moradia a quem já tem moradia. Talvez se perseverar num sistema de recursos ad aeternum enquanto pobres e negros mofam nas masmorras de Cardozo, mesmo sem condenação em qualquer instância. Talvez se deixar prescrever processos de gente rica e poderosa. Talvez se, em vez do voto sóbrio, valer-se de faniquitos para convencer seus pares. Talvez se repetir a mania de proferir votos extensíssimos (cartapácios que ninguém lê) por vaidade ou insciência. Talvez se preservar as folgas supremas de três meses por ano. Talvez se decidir censurar a imprensa.
Enfim, o novo sufeta supremo poderá ser do mesmo nível de seus colegas inimputáveis, inalcançáveis e ininvestigáveis. Poderá, inclusive, ser pior, mas terá que se esforçar muito.