Poucos assuntos marcaram tanto 2017 como a reforma das aposentadorias. Muitos foram os personagens que permearam as batalhas em torno da previdência. Alguns foram decisivos.
Se troféu houvesse para os personagens mais importantes ele seria dividido entre o procurador Rodrigo Janot, o afoito, e Joesley Batista, o magarefe. Graças à dupla, e à imprescindível ajuda de Michel Temer, o mandatário-tampão, a reforma foi empastelada.
Cada um com seu intento, ambos travaram a reforma que economistas liberais, de um lado, e os chamados “de esquerda”, mas intelectualmente honestos, de outro, defendem. Alguns limitam-se ao cálculo atuarial, já que não há dinheiro para pagar a conta.
Outros economistas acrescentam argumento social: o atual modelo, além de ser inviável do ponto de vista fiscal, é injusto. Tira dos mais pobres para repartir entre os mais aquinhoados.
Arigós & barnabés
Um arigó de obra vai se aposentar mais tarde e com vencimento modesto. Se conseguir perceber, na aposentadoria, mais do que o salário mínimo, verá sua renda corroída ao longo dos anos.
Como tem menos recursos, e não tem acesso a planos de saúde privados, vai viver menos. Provavelmente continuará a trabalhar para complementar a renda rala. Não vai usufruir do merecido descanso.
Já o barnabé se aposenta mais cedo e com vencimento na maioria das vezes acima do teto do INSS – hoje de R$ 5.531. Como o serviço público está apartado do mundo dos arigós, o barnabé vai receber melhores reajustes, garantindo-lhe o poder de compra.
Considerando que, via de regra, detém bons planos de saúde, viverá mais. Trabalhar será um acréscimo opcional à renda vitalícia garantida pelo erário – generoso com quem ganha mais, implacável com os mais pobres.
Diante deste quadro, fácil responder de que lado ficaram os partidos liberais e os ditos de “esquerda”, certo? Certo. A esquerda alinhou-se aos barnabés. Os liberais, aos arigós.
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Para a dupla Janot-Joesley estas variantes provavelmente pouco devem ter representado. Ambos têm aposentadoria assegurada. O jogo era outro.
O primeiro queria livrar o País do presidente da República. O segundo, livrar-se das grades que passaram, pela primeira vez na história do Brasil, a abrigar com maior frequência meliantes do erário endinheirados.
Janot não conseguiu demover o presidente, este mais ardiloso do que aquele. Joesley hoje faz companhia a outros meliantes do erário flagrados em malfeitos – para ficar no eufemismo cunhado por Dilma Rousseff, a atrabiliária.
Não foi coincidência
Deu tudo errado? Não. A investida da improvável dupla feriu de morte a mudança na previdência em 2017. E, muito provavelmente, em 2018.
Se foi proposital, é difícil dizê-lo. Mas há evidências. O Valor Econômico da última quarta, 20, descreve esta hipótese como possibilidade concreta.
Mais direto, o ex-deputado Roberto Brant prognosticou lá atrás, em 2 de junho, que o outro alvo dos procuradores, senão o principal, era ferir de morte a reforma. “Eles escolheram essa data com muito cuidado e abortaram as reformas”, apontou. “Não foi coincidência”.
Caso Temer não tivesse sido flagrado em cenas explícitas de malfeitos, o ardil da dupla não teria motivação. Por outro lado, se o alvo fosse exclusivamente depor o mandatário, as investigações teriam seguido recomendada cautela policial antes da denúncia.
Mas, aí, a reforma talvez já tivesse sido aprovada. A afoiteza, assim, faz sentido diante do efeito paralelo que era evidente: presidente deposto, ou avariado, não aprova projeto de tamanha dimensão.
“[O arigó] demora três anos para ganhar
o que alguns barnabés auferem em um mês.“
2017 finda resguardando o sossego dos barnabés – noves fora o juiz Ricardo Lewandowski e mais uma benesse natalina. Com a explícita militância das corporações de servidores e o apoio do PT, PSOL & Cia, procuradores, juízes e categorias do Executivo preservarão contracheques de R$ 33,7 mil. E além.
A patuleia seguirá penando com os caraminguás. (Ela demora três anos para ganhar o que alguns barnabés auferem em um mês.) A União, por seu turno, cada vez terá menos para investir em saúde, educação e segurança.
Antever 2018, e adiante, é para videntes. Mas é possível vislumbrar as feições do futuro da União ao mirar entes federativos em pleno declínio fiscal (RS, RJ, RN, SE, MG). O estado falido de hoje pode ser o Brasil quebrado do porvir.