O establishment intelectual e a mídia de um modo geral desprezaram o potencial do candidato Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Boa parte deles despreza o presidente Jair Bolsonaro.
Lá atrás, quando era um outsider desbocado e despreparado, era difícil prever que ele se tornaria presidente da República. Agora, embora continue desbocado e despreparado, melhor refletir duas vezes.
Para quem pretende derrotá-lo em 2022 seria um reincidente equívoco. Primeiro, porque ele provou que sabe vencer eleições. Segundo, pelos dois esbirros que escoram o mandato presidencial.
Não tem tu, vai tu mesmo
O fenômeno bolsonarista é complexo e inusitado. Venceu a eleição praticamente sem estrutura. Mantém-se no poder sem apoio legislativo majoritário.
Mas, com um mundo polarizado e diante da inexistência de alternativa moderada viável, parte dos eleitores escolheu o que lhes parecia menos pior. Em 2018, 24 milhões, grosso modo, não votaram nem em Bolsonaro nem em Fernando Haddad no primeiro turno, mas o fizeram no segundo.
Outros 42 milhões (nulos, brancos e abstenção) rejeitaram ambos no segundo pleito. Bolsonaro (57,7 milhões ou 39,23% dos votos totais) perdeu para a soma de nulos, brancos e eleitores de Haddad (58,1 milhões ou 39,46%).
Além disso, o presidente hodierno não representa um movimento político definido. Trata-se de uma conjugação de anseios comportamentais e expectativas econômicas liberalizantes.
Estes fatores podem não conversarem entre si, mas convergem interesses na figura presidencial. Um pensamento síntese seria mais ou menos assim: certo, poderíamos ter alguém mais sofisticado, mas, se não tem tu, vai tu mesmo.
“Um pensamento síntese seria mais ou menos assim:
certo, poderíamos ter alguém mais sofisticado,
mas, se não tem tu, vai tu mesmo”.
No horizonte à vista, porém, pode-se afirmar que, diante de sua confessada incapacidade administrativa no campo econômico e da tendência beligerante inconsequente, Bolsonaro depende cada vez mais de dois expoentes de seu ministério. Paulo Guedes, na Economia, e Sergio Moro, da Justiça, compõem a dupla que pode ajudá-lo a manter a cabeça no lugar para não aloprar, possibilidade admitida pelo presidente em entrevista à beira da piscina no Palácio da Alvorada.
Os esbirros
O Patrão e o Xerife sustentam Bolsonaro diante de dois setores expressivos da sociedade. De um lado, empresários e liberais em geral confiam na batuta de Paulo Guedes, égide à volta do Estado gigamenso.
De outro, um vasto contingente detesta o PT e não confia nos partidos satélites que giram em torno do ex-presidente Lula. Esta turba, que sempre existiu, mas estava intimidada com a patrulha ideológica (dos intelectuais, da academia e da mídia), encontrou em Bolsonaro um líder que não tem medo de se expor ou parecer ridículo diante do politicamente correto.
Preservar o Posto Ipiranga – o Patrão, segundo a nova alcunha presidencial – é assegurar que o empresariado e o sistema financeiro permaneçam favoráveis à continuidade bolsonarista – ou, pelo menos, a tolerem. Para tanto, o presidente precisará apoiar as iniciativas patronais, no que parece determinado, e não atrapalhar o czar da Economia.
O Xerife da Justiça permite ao presidente preservar erguidas duas bandeiras eleitorais. Representa a possibilidade de reduzir a criminalidade e manter empunhado o lábaro anticorrupção, embora este esteja se esfarrapando com as revelações das estripulias da família Bolsonaro.
Com a volta do crescimento econômico, mais o indispensável aumento de emprego e renda, & a redução do número de crimes violentos Bolsonaro terá uma boa chance de completar dois mandatos presidenciais. Para isto, além do apoio da dupla de esbirros, ele precisará preservar verve e ações conservadoras, torcer para que nenhum miliciano vire delator e cuidar da cabeça para não se transformar num novo aloprado.