O julgamento que decidirá se a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer deve ou não ser cassada vai ter muita discussão jurídica, hermenêutica e jurisprudência. Mas no final, sabe-se lá quando, prevalecerá o jogo político.
Não há como ser de outra forma. Somente juízes nefelibatas tomariam decisão de tamanha envergadura histórica restringindo-se à interpretação de artigos, alíneas e parágrafos.
Quem acompanha a ação de jurisconsultos togados sabe que há instrumentos de sobra para conduzir um tribunal com mais ou menos celeridade, maior ou menor apego à letra da lei. Jurisprudências e hermenêuticas mil podem ser evocadas ao sabor das conjunturas.
Sim, as decisões serão lastreadas em dispositivos legais. Nos desvãos das cortes, porém, a política orientará os magistrados.
Não é preciso vasculhar muito para encontrar tais urdiduras. Na manhã de 31 de agosto de 2016, consolidada a deposição da mandatária após um prolongado processo de impeachment iniciado em dezembro de 2015, o juiz Ricardo Lewandowski decidiu submeter ao plenário do Senado a elegibilidade da deposta.
Em que pese o parágrafo único do artigo 52 da Constituição determinar que a “condenação” deve limitar-se “à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”, a interpretação do magistrado indicou que a penalidade podia ser fatiada. E assim foi feito.
Junto à senadora Kátia Abreu, primeira-amiga de Dilma, o senador Renan Calheiros interveio favoravelmente e defendeu o pleito junto ao plenário transformado em júri. Diferentemente de Fernando Collor que, em 1992, perdeu o mandato presidencial e ficou inelegível, Dilma teve ceifado o cargo mas preservou sua condição de cidadã.
Renan não agiu despretensiosamente. Com o gesto manteve os liames com o PT e seus agregados na esquerda que podem lhe ser úteis em 2018 quando buscará novo mandato e, assim, ficar a salvo de Sergio Moro, o sufeta de Curitiba.
Antes, em dezembro de 2015, a Suprema Corte deliberara de forma heterodoxa intervindo em detalhes interna corporis do rito processual no Parlamento. A decisão dos juízes foi claramente favorável à então presidente.
Diante de um processo, um juiz pode decidir de uma sentada. Ou sentar sobre o pedido.
Vem aí mais confusão?
E, assim, la nave va. Os sete ministros do TSE, suprema corte eleitoral, vão estudar como nunca os dos cartapácios de direito.
Mas também vão estar com os sentidos atentos aos demais poderes e suas nuanças. Remover Temer do Palácio do Planalto a pouco mais de um ano das eleições gerais de 2018, mais do que condenar uma delinquência eleitoral milionária, implica jogar incerteza sobre uma economia que aos trancos e barrancos ruma para uma lenta recuperação.
No xadrez que começará nesta terça, 4, muitas peças vão começar a se mexer. As ruas, que até aqui não deram sinais de movimentação como aquelas que antecederam a saída de Dilma, podem adquirir papel relevante.
Temer, por seu turno, doravante meditará sobre cada gesto como o enxadrista que tenta se antecipar três, quatro lances à jogada do adversário. Se errar, poderá permitir as investidas das sete peças que compõem o tabuleiro do TSE.
Há, ainda, os operadores da Lava-Jato, demiurgos que há três anos pairam sobre o País tornando imprevisíveis os destinos de parte significativa dos próceres da República. Novas revelações podem ampliar a suspeita sobre a participação do ora presidente em malfeitos. Sem falar nos segredos guardados por Edson Fachin, do STF.
Por fim, olhares atentos num dos principais atores, Herman Benjamin, cujo maçudo relatório final, de 1.086 páginas, embasará o voto dos colegas. Sua performance será decisiva para o convencimento geral da Nação.
Como ponderou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, por aposentado, pode fazer análises mais desapegadas, cassar Temer “é mais confusão”. Exatamente isto. Os sete juízes do TSE vão decidir, querendo ou não, se promoverão mais confusão neste recanto dos trópicos.