Cada observador do rotineiramente agônico cenário político-econômico nativo elege uma reforma como a determinante para que saiamos de nossa crônica estagnação socioeconômica. Parte deste grupo aponta a reforma política como a mãe de todas as reformas. Tirante o questionamento antecedente – se uma reforma pode alterar a tendência dos brasilianos de andarem de lado, haja vista os Parlamentos e Executivos que elegem -, não há dúvida que a reforma política é relevante.
- LEIA TAMBÉM: O direito à escolha da vacina
Sem debate com os eleitores – presumivelmente os detentores primeiros do direito de decidir sobre como votar – e comandada pelo ardiloso presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados promoveu uma garabulha que fará retroceder um avanço decisivo rumo à racionalidade, largamente escassa no Brasil. Por 333 votos a 149, os representantes de si mesmos aprovaram nesta quarta, 11, a volta das coligações em eleições proporcionais. Sete legendas orientaram o voto “não” à mudança: PSD, PDT, PSOL, Novo, Cidadania, PV e Rede.
Se a reforma política é mãe de todas as mudanças basilares, o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais é, ao lado da cláusula de barreira (ou de desempenho), o busílis. Em si, elas não são suficientes, pois ainda restaria uma dúzia de legendas a mandar no Parlamento – e no destino da Nação. Mas, caso siga até o final como encravada na Constituição desde 2017, a reforma engendrada pela deputada Shéridan Estérfany Oliveira (PSDB-RR) representará avanço decisivo para reduzir a barafunda partidária que atravanca o Congresso Nacional, sobretudo na relação Executivo-Legislativo e Sociedade-Legislativo, hoje uma algaravia esquizofrênica.
O final, no caso, é o ano de 2030, longínquo marco temporal para um país orientado como biruta de aeroporto. Aos poucos, se mantidas, as regras limitarão o número de legendas que povoam os tapetes verdes da Câmara Baixa, conforme definido pelo art. 17, § 1º da Constituição. Sem o retrocesso em curso, daqui a 9 anos somente terão direito ao fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, partidos que, nas eleições à Câmara dos Deputados, obtiverem 3% dos votos válidos em pelo menos um terço (1/3) das unidades da Federação e com 2% dos votos válidos em cada uma delas OU elegerem pelo menos 15 deputados em um terço das unidades (hoje, 9 estados). Ao lado desta cláusula de barreira, o fim das coligações proporcionais completa a revitalização do sistema partidário-eleitoral.
A manutenção das regras já aprovadas pelo Congresso Nacional favorecerá uma razoável racionalização da política, onde as grandes negociações deixariam o varejo e partiriam para o macro, supostamente com siglas (mais ou menos) ideológicas. Os interesses paroquiais não desaparecerão, mas deverão ser reduzidos. Um presidente da República levado a negociar no varejo interesseiro das siglas sem ideias, mas com donatários e contas bancárias a mancheias, tem duas alternativas básicas: o presidencialismo de cooptação ou a paralisia, já que, numa Constituição com fortes odores parlamentaristas, pouco faz sem a aquiescência parlamentar.
Só o Senado salva?
Por isto, soa furtiva a declaração envergonhada do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que certamente não falou de per si: “Somos contrários ao distritão, é a derrota ao distritão. Mas as coligações são o mal menor”. O distritão (sistema eleitoral majoritário plurinominal, como ensina o jurisconsulto Thales Chagas Machado Coelho, articulista d’Os Divergentes) e a volta das coligações proporcionais tornam o sistema político-eleitoral disfuncional; pelo retorno de alguma racionalidade à política, a segunda também deve ser enterrada, pois perpetua o toma-lá-dá-cá doloso.
Sem o retrocesso aprovado em primeira votação (restam três, sendo duas no Senado), preservando o artigo 17 outros avanços poderiam ser postulados. Por exemplo: nova redução no número de siglas no Parlamento, algum tipo de vinculação eleitoral entre a representação parlamentar e o Chefe do Executivo e a adoção do princípio de 1 eleitor=1 voto (que assegura a justa representatividade eleitoral; a paridade entre estados seria preservada no Senado).
Reduzir o número de partidos é o grande e primeiro refinamento da reforma política. O que viria depois seriam novos ajustes negociados com poucos e grandes partidos, que representem ideias em vez de apenas cifrões. Se a sociedade organizada quer melhorar o ambiente político que trate de convencer o Senado a arquivar esta PEC gestada nas entranhas desideologizadas da Câmara, voltadas exclusivamente para alimentar suas gulosas vísceras.