A poucos dias da posse de Donald Trump, só dá Obama nos Estados Unidos. Enquanto o sucessor se enrola em sucessivas polêmicas, russas ou não, e compra briga com a mídia e com Hollywood, o presidente que sai desencadeia uma espertíssima estratégia de marketing de saída. Nas últimas duas semanas, não houve dia em que Obama não ocupasse os principais espaços nos veículos de comunicação. Está cuidando do legado, ou melhor, do seu papel na história, já que seus principais atos e políticas – como o Obamacare, por exemplo – já começaram a ser desmontados por Trump. Pode não sobrar nada de concreto, e daí a investida de Obama no upgrade de imagem na saída.
Do emocionante discurso de despedida em Chicago a manifestações em eventos na Casa Branca e vídeos nas redes, passando pela despedida individual de Michelle, que também deu seguidas entrevistas, o casal Obama ocupou todos os espaços e obteve uma tremenda receptividade. O noticiário é francamente positivo e o clima é quase de encantamento em alguns veículos, pontuado por muita emoção, como a da cena em que o presidente levou o vice Joe Biden às lágrimas com uma inesperada condecoração surpresa, transmitida ad nauseum pela TV.
A CNN, que entrou num bate-boca ao vivo com Trump por conta da existência do suposto dossiê sobre as estrepolias do empresário na Russia, fez diversas entrevistas e programas especiais sobre o governo Obama, inclusive uma com Michelle na bancada em que ela disse que se sentia muito bem do outro lado daquele balcão. A revista Time, por sua vez, fez uma edição especial com balanço altamente elogioso aos anos Obama, focando sobretudo da recuperação da economia.
A comoção é tal que é impossível ao visitante – que não precisa ser marciano – não indagar: se ele foi tão bom assim, como não elegeu Hillary Clinton e vai acabar sendo substituído por um sujeito que irá desconstruir boa parte do que fez? São os mistérios da democracia representativa – e, ao que parece, não apenas da norte-americana.
Pelo sim, pelo não, Obama não está cuidando apenas de si antes do dilúvio. Quanto maior for sua popularidade, e mais apoteótica sua saída, melhores serão as chances de se articular algum tipo de reação da sociedade ao cavalo-de-pau que seu sucessor vai dar no governo.