Extinguir a EBC é tirar o sofá da sala

O governo Michel Temer já enfiou os pés pelas mãos no episódio EBC e errará mais ainda se decidir mesmo extinguir a empresa, como leio hoje na coluna do bem informado amigo Jorge Bastos Moreno, em O Globo. A EBC é mesmo um poço de problemas, e parece que enterraram alguma caveira de burro no subsolo daquele Venâncio 2000, prédio onde hoje está instalada. Falo de cadeira, porque fiz parte de sua primeira diretoria, em 2007, e depois integrei seu conselho de administração, como ministra da Secom.

A reforma institucional e legal do sistema de comunicação público e estatal é urgente e necessária, mas extinguir a EBC seria mais ou menos como tirar o sofá da sala, ou jogar a criança fora com a água do banho, como preferem os mais antigos e pudicos.

Por quê? Em primeiro lugar, porque já foram investidos ali milhões e milhões em equipamentos, estúdios, instalações, contratações, treinamentos e até concursos públicos. Diga-se o que se disser, é um patrimônio considerável, muito além do razoável e necessário para se montar um canal exclusivamente de divulgação do Poder Executivo, ou seja, para o renascimento de uma antiga Radiobrás chapa-branca, que parece ser o que o Planalto tem em mente hoje.

Nada contra a Neo-Radiobrás, ou o fortalecimento da NBR, canal a cabo para divulgação dos atos do governo. O Planalto, assim como a Câmara, o Senado e o STF, tem o direito e o dever de prestar contas ao público pela televisão, com o máximo possível de eficiência, em  transmissões ao vivo e programação de serviços e informação ao cidadão. Ainda que a audiência seja o que se convencionou chamar de “traço”.

Colocar toda a estrutura existente hoje na EBC a serviço da divulgação governamental, porém, será um enorme equívoco. O outro braço da empresa, a TV Brasil, cumpre a determinação constitucional de que, ao lado dos sistemas de comunicação privado e estatal, funcione também o sistema público de comunicação, destinado a dar espaço à participação da sociedade, à cidadania, à cultura e à educação. Isso nada tem a ver com governos, que vem e vão.

Não cabe discutir aqui por que nenhuma das duas missões – a pública e a governamental – estava sendo cumprida a contento. A principal razão talvez seja óbvia: o desenho institucional que reuniu, juntos e misturados, esses dois braços tão diversos da comunicação numa única empresa/estrutura. Impossível divulgar atos do governo e, ao mesmo tempo, ser voz da diversidade social e cultural brasileira debaixo do mesmo chapéu.

É por isso que, em vez de extinguir a EBC, o governo deve elaborar uma nova legislação colocando cada macaco no seu galho, separando as duas pessoas jurídicas e estruturas – que, obviamente, podem ser mais enxutas. A TV governamental, sem medo de ser chapa-branca, subordinada ao Planalto, financiada com o orçamento federal.

A TV Brasil, por sua vez, poderia ter uma vinculação formal com o Ministério da Cultura, mas ter seu modelo de financiamento reformatado para receber recursos de fundos constitucionais, serviços, publicidade e outras fontes. Poderia, quem sabe, ter natureza jurídica de fundação ou organização que lhe permitisse gestão mais flexível e desburocratizada. Com isso, poderia cumprir, finalmente, o papel de estimular e dar espaço à produção nacional de cinema, vídeo, programação infantil, cultural e regional. Bem longe do Palácio do Planalto, sob a vigilância da sociedade.

Quanto ao “traço”: todo mundo que faz TV quer ter audiência, mas, diferentemente do que ocorre nas emissoras comerciais, esse não pode ser o primeiro objetivo de TVs públicas ou estatais. Seu compromisso não é vender nada para ninguém. É levar ao cidadão conteúdo de qualidade.

 

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