Lula sabe desde o dia seguinte à eleição — mesmo antes de confirmado presidente, o que ocorreu só no segundo turno — que não teria maioria estável para governar num Congresso conservador, dominado pela centro-direita. Talvez tenha se surpreendido com o jogo bruto do centrão modelito Arthur Lira no balcão das emendas, mostrando que velhas moedas de troca, como ministérios, não valem mais tanto assim. Como não tem outro jeito, o Planalto vai dando carne aos leões, mas não está tão dramaticamente subjugado como parece. Sua principal estratégia em relação ao Legislativo passa pela economia e tem chances de dar certo.
Lula e seus articuladores políticos entendem que o método para controlar esse Congresso que aí está é de fora para dentro, ou seja, pela pressão popular, usando a força gravitacional que governos bem sucedidos e bem avaliados exercem sobre deputados e senadores. Quem disputa mandato eletivo quer estar sempre ao lado de um presidente forte junto à população, capaz de alavancar a próxima eleição — e não só pela força da caneta.
Passada a lua-de-mel dos seis meses, quando o presidente ainda está banhado pela força das urnas e os parlamentares hesitam em confrontá-lo, o jogo ficou mais pesado para o Planalto. As derrotas da semana passada, quando a bancada ruralista passou o trator sobre Marina Silva e outras pastas de esquerda, foram um aviso ao navegante Lula — que entendeu o recado e deu sinais de que vai conversar mais, articular mais, dar mais emendas.
Mas Lula e articuladores mais próximos sabem que o decisivo não é isso, como parece. O que importa de fato é a estratégia do governo para fazer a economia voltar a crescer, gerar empregos, disseminar sensação de bem estar para toda a população. É o que importa para Lula, e para onde convergem todos os seus esforços.
Nesses quase seis meses, o governo já cuidou de problemas sociais com ações para os mais pobres, como o Bolsa Família, o MCMV e outros. Mudou a política de preços da Petrobras, conforme prometeu na campanha, o que pode repercutir no bolso da classe média e na inflação. Na cruzada contra o BC, tem agora chance de ver baixar os juros altos porque a inflação já está caindo mesmo. Fez acenos ao empresariado e à classe C com medidas para reduzir preços dos carros populares. Trabalha para facilitar o acesso da população ao crédito.
Acima de tudo, enquanto boa parte da mídia e dos políticos choravam as pitangas das derrotas da semana e dos problemas na base, o governo teve, na mesma semana, sua maior vitória parlamentar desde que tomou posse: a aprovação na Câmara, por maioria acachapante, do novo marco fiscal. Não é pouco. Apesar dos narizes torcidos de boa parte da esquerda — inclusive daqueles que temem o fortalecimento de Fernando Haddad — é condição básica para a retomada da economia. O passo seguinte é a aprovação da reforma tributária até o fim do ano. Se isso ocorrer, e a economia der sinais de que vai deslanchar, o apoio político-parlamentar virá num efeito centrípeto.
É por aí que as derrotas conjunturais de Marina Silva e Sonia Guajajara estão sendo aceitas pelo Planalto como algo meio inevitável na negociação com o centrão. Dificilmente a desidratação do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas será revertida esta semana na votação da MP da estrutura do governo. Mas o que é possível fazer neste momento foi feito. Antes de tudo, o esclarecimento de que a agenda ambiental e da sustentabilidade do governo não mudou — o que poderia impactar na imagem internacional e nos investimentos estrangeiros.
Igualmente importante, a articulação feita pelo próprio presidente em reunião no Planalto, sexta-feira, para convencer Marina Silva e Sonia Guajajara a não saírem botando a boca no trombone em caso de nova derrota no plenário (muito provável), e muito menos xingando a base conservadora e a bancada ruralista. Há dúvidas sobre o sucesso integral dessa segunda parte, mas já se pode observar que as ministras baixaram o tom. Talvez convencidas de que, se engolirem o centrão agora, melhores dias virão…