Minha casa, minha vida: realidade ou fantasia?

Desde sempre, os grandes problemas são tratados com populismo e demagogia. Os projetos oficiais são insuficientes e de custos elevados, pois enfrentam superfaturamento de mão de obra e material, a habitual dose de corrupção e bastante atraso.

Minha casa Minha Vida - Foto Divulgação

Legítimo anseio do pai, ou mãe de família, é ter a casa própria. O direito está previsto pela Constituição Cidadã, promulgada em 5 de outubro de 1988.

Constituição do Brasil, promulgada em 1988 e alterada 128 vezes – Arte: Lucas Lambertucci / Alep

Diz o Art. 5º que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos (….)”. No inciso XI afirma o mesmo dispositivo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador…”. Com a redação dada pela Emenda nº 90/2015, o Art. 6º classificou a moradia como Direito Social.

Da fantasia à realidade são enormes as distâncias. Em São Paulo, números apurados pela Secretaria de Desenvolvimento Humano e Habitação informam que o déficit habitacional é de 1,16 milhão, e que 3,19 milhões de famílias residem em imóveis inadequados. Do parque residencial do Estado, 30% não corresponde às necessidades habitacionais, informa documento oficial.

Pessoas em situação de rua dormem embaixo do viaduto Jaceguai, na região central de São Paulo – Foto Rovena Rosa/Agência Brasil

Na capital paulista, o déficit é de 369 mil domicílios. Vivem ao relento, 31 mil pessoas. É necessário construir em média 73 mil moradias por ano, até 2030, para zerar a demanda futura. Não vejo como se encontrar solução a curto, médio, ou longo prazo para o problema habitacional. Em Brasília, o déficit é de 102.984 residências, No Rio de Janeiro de 476 mil. No Brasil, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro, referente ao ano de 2019, faltam 5.876 milhões de unidades.

Os projetos oficiais são insuficientes e de custos elevados. Raros vão além do papel. Na periferia, se o pai de família possuir terreno de 5 de frente, por 20 de fundo, em mutirão com parentes e vizinho levantará casa com sala, dois quartos, cozinha e banheiro. Com o tempo, sobre a laje de cobertura erguerá o segundo andar. Gastará em torno de R$ 60 mil, e se livrará do aluguel.

Casa de 40m2, em conjunto popular construído por empreiteira contratada pelo governo, não ficará em menos de R$ 100 mil, somados o valor da desapropriação do terreno, administração, mão de obra e material superfaturados, habitual dose de corrupção e bastante atraso.

FGTS

É impossível encaminhar a solução do problema habitacional, senão mediante grandes conjuntos com centenas apartamentos ou casas. No passado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) levantou edifícios para os beneficiários. O mesmo aconteceu com o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários (IAPB). O Banco Nacional da Habitação (BNH), fundado em 21/8/1964, alimentava-se dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dos quais era gestor. Não resistiu às más administrações, à corrupção, ao congelamento das prestações sob o efeito de inflação galopante. Foi extinto em 1986.

Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU) nada consegue oferecer além de esperanças, para milhares de famílias carentes. Para melhorar o precário desempenho, o primeiro passo consiste em se ramificar pelos bairros e ficar ao alcance dos moradores da periferia. Ir à Rua Boa Vista, onde está instalada, é obstáculo à inscrição. Por que não aproveitar subprefeituras, igrejas, clubes, associações de bairros, em reuniões nos finais de semana, quando servidores municipais receberão os interessados para lhes prestar esclarecimentos, e ajudá-los a se inscrever?

Para se conhecer a fundo o problema da moradia popular, é indispensável ir à periferia, conversar com padres, pastores, lideranças masculinas e femininas e favelados. Saber o que pensam do prefeito, dos vereadores, da subprefeitura. Avaliar-lhes as necessidades e o poder aquisitivo. Graves problemas das metrópoles são falta de moradia, de creches, de transporte público, a droga e a violência. As dívidas sociais contribuem para o aumento da criminalidade.

Desde sempre, os grandes problemas são tratados com populismo e demagogia. O que fazer? O primeiro passo consiste em reconhecer a realidade. Leiam Morte e Vida das Grandes Cidades, da urbanista e ativista social americana Jane Jacobs. A conclusão não poderá ser outra. Mostrará a Região Metropolitana de São Paulo gravemente doente, sob ameaça de colapso.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A falsa República e 30 Anos de Crise.

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