O Senado piscou com a decisão inusitada e sem precedentes de manter os direitos políticos da presidente afastada Dilma Rousseff, minutos após cassar seu mandato. Na interpretação de alguns aliados, Dilma conquistou isso no depoimento desta segunda-feira, quando não conseguiu reverter os votos contrários mas teve um desempenho digno ao defender sua biografia e honestidade pessoal. Os mais gozadores afirmavam que a segunda votação de hoje foi um jeito de os senadores dizerem a Dilma que a cassação de seu mandato não foi “nada de pessoal” – precisavam afastá-la para se livrar do PT e de seu governo, mas reconhecem sua honestidade.
Brincadeiras à parte, o que se diz nesta tarde no Senado é que se tratou, sobretudo, de um presente do senador Renan Calheiros para Dilma. De principal aliado da presidente, Renan capitulou e, ao final, acabou trabalhando e votando a favor do impeachment. Mas articulou pessoalmente a decisão que preservou a habilitação da presidente afastada para exercer funções públicas. Deixou isso claro ao defender essa posição antes da segunda votação ao relembrar um dito nordestino: depois de provocar a queda, não é preciso dar coice.
Não se tem ainda detalhes da articulação de Renan. Mas ele, ao declarar sua posição, puxou votos no PMDB para que não votassem pela inabilitação de Dilma. Ninguém sabe também se o assunto chegou a ser levado ao presidente Michel Temer.
O mesmo não se diz dos tucanos, que ficaram profundamente irritados com a posição de Renan e de outros peemedebistas e saíram do plenário apontando uma armação premeditada dessas forças com a oposição. O PSDB, sim, teme o que Dilma e o PT podem fazer daqui para frente e desconfiam dessa nova aliança do PMDB. O episódio fortalece Renan e seu pode de agregar votos na Casa. O troco virá em cima de Temer, certamente.
Dilma não é mulher de prêmios de consolação, e o fato de manter seus direitos políticos não deverá mudar uma vírgula em seu discurso do golpe e nas viagens que pretende fazer pelo país. Seus planos para o futuro não previam mais incursões na política.
Na verdade, porém, a decisão do Senado de manter os direitos políticos da ex-presidente muda muita coisa sim, sobretudo do ponto de vista simbólico e de imagem. O PT, que fazia as malas para abandoná-la de vez, muito provavelmente irá usar isso como argumento em sua estratégia de neo-oposição. O resultado dessa segunda votação muda tanto que pode, quem sabe, animar Dilma a concorrer em alguma eleição futura, coisa que até ontem não passava por sua cabeça. Como ela mesma disse em seu pronunciamento final: até daqui a pouco.