Muita gente não entendeu bem quando, numa ação para esvaziar as gavetas do STF e votar processos antigos, a presidente Cármen Lúcia pautou um mandado de segurança impetrado há mais de 20 anos pelo ex-governador Jaques Wagner sobre a exigência de plebiscito para adoção do parlamentarismo no país. Nas atuais circunstâncias, o tema foi considerado provocação, a ministra apanhou da mídia e dos políticos e o relator Alexandre de Moraes suspendeu o julgamento. A pauta, porém, não era um jabuti e tinha sua razão de ser.
No caminho de pouco mais de 200 metros que separam o Supremo do Congresso, e onde transita diariamente gente que sabe das coisas, encontramos a explicação. A intenção da presidentes do STF, ao colocar o assunto em julgamento, não seria provocar um debate sobre a adoção do parlamentarismo a esta altura, mas sim evitar que isso aconteça, aparecendo de repente como objeto voador não identificado, aos 45 minutos do segundo tempo do governo Temer.
Como? Com uma decisão da Corte Suprema deixando explícito que qualquer iniciativa para mudança de sistema de governo para o parlamentarismo tem que ser precedida de plebiscito, como manda a Constituição e já foi feito – e recusado – em 1993. Entre os ministros, haveria maioria em torno desse entendimento, que colocaria uma pá de cal nas articulações que, sim, ainda existem nesse sentido.
Quem acompanha de perto sabe que está prontinho o projeto de semipresidencialismo elaborado pelo ministro Gilmar Mendes, em conjunto com Michel Temer – assunto de muitas reuniões entre os dois. Essa proposta poderia ser sacada a qualquer momento. Por exemplo, logo depois das eleições, ainda sob a égide do velho Congresso, sobretudo se seu resultado não agradar à maioria do establishment político.
Isso interessaria sobretudo aos grandes partidos, como o MDB de Temer, o PSDB e outros que, mesmo sem ter feito o presidente da República, dariam um jeito de mandar no país por terem as maiores bancadas. No bojo dessa reforminha, regras aliviando a situação de políticos acusados na Lava Jato – como, aliás, o próprio Temer.
Como a inclusão do mandado na pauta do STF foi interpretada justamente pelo lado oposto, Jaques Wagner informou a alguns que pretende retirar a ação e evitar a confusão no debate. Alexandre Moraes, relator, imediatamente tirou o assunto da mesa.
Há dúvidas, porém, quanto às razões do ministro: amigo e ex-ministro de Temer, talvez ele tenha percebido que a tendência da maioria do Supremo teria sido a de acompanhar Cármen Lúcia e fulminar de vez as pretensões parlamentaristas – ainda que sob o eufemismo de semipresidencialismo – de seu ex-chefe.