Pressionados pelo discurso nefasto de Jair Bolsonaro, que ontem começou a sabotar até o uso de máscaras, governadores e prefeitos estão com medo de fazer o que devem: decretar lockdown total, por duas ou três semanas, nas cidades onde o sistema de saúde está entrando em colapso.
Alguns chegam a anunciar medidas de “lockdown” que fecham o comércio e outras atividades apenas à noite, como João Doria, em São Paulo, a partir das 23 horas, e Ibaneis Rocha, no DF, a partir das 20 horas. Não importa o nome, que também pode ser “toque de recolher”, mas tudo indica que se tratam de medidas paliativas e ineficazes para conter a pandemia.
Nesta quinta, pela primeira vez, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, reconheceu que a situação vai de mal a pior, o que chega a ser um progresso em meio ao negativismo do governo. Mas sugeriu apenas, como solução, que doentes de estados com UTIs em superlotação sejam transferidos para outros estados — que, se já não estiverem em superlotação, certamente vão entrar. Trata-se de uma não solução, já que o aumento das contaminações por novas cepas é generalizado.
Pazuello, obviamente, não vai defender o necessário isolamento total, nem sequer sugerir, dentro da disciplina dos que obedecem aos que mandam. Quem manda nele, Jair Bolsonaro, mantém o discurso de que governadores e prefeitos que decretam isolamento são responsáveis pelo desemprego e outras mazelas do impacto da pandemia na atividade econômica. E os governadores, e muitos prefeitos, se encolhem de medo de fazer o que é preciso.
A manter essas atitude, antes de tudo, é preciso que apresentem algum estudo que mostre que as festas e farras noturnas são as principais responsáveis pela contaminação. Elas devem, sim, ser duramente coibidas, mas é possível imaginar que a atividade noturna não seja a única responsável pelo aumento de contaminações nas cidades. As aglomerações no comércio, o transporte coletivo obrigatório para quem precisa ir trabalhar e as obrigações diárias do cidadão nas grandes cidades certamente contaminam muito mais. O exemplo das autoridades se aglomerando sem máscara completa esse quadro.
Em entrevista ao Globo nesta sexta, o cientista Miguel Nicolelis diz, com todas as letras, que apenas um lockdown de 21 dias evitará um colapso nacional de saúde e até funerário. Ainda que contando todos os prejuízos que essa medida pode trazer à já combalida economia, é hora de fazer as contas e levar o alerta a sério.
Boa parte dos comerciantes e empresários pode vir a concordar, com base em dados técnicos e números, que os prejuízos de vinte dias parados podem ser menores do que os de meses à frente em situação de pandemia, com medidas intermitentes de fechamento, um vai e vem no número de casos, a incerteza sobre como será amanhã.
Quem deveria liderar essa solução e trabalhar no convencimento da população, com uma campanha nacional de esclarecimento, porém, simplesmente não existe. O coronavírus, com suas variantes, é um microorganismo muito perigoso. Mas, ainda assim, menos nefasto do que o atual governo.