Durante toda a manhã da quinta-feira, repórteres buscaram uma reação pública do ministro Dias Toffoli aos novos diálogos atribuídos ao procurador Deltan Dallagnol, que indicavam o interesse no Ministério Público por supostas ilicitudes cometidas pelos casais Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Sabia-se apenas que as mensagens haviam enfurecido ainda mais os dois ministros contra a turma da Lava Jato.
No começo da tarde, Dias Toffoli avisou pelo Whatsapp que o colega Luiz Fux, vice-presidente do STF, daria a resposta do tribunal. Seria uma reação institucional. Nesse ínterim, Gilmar Mendes chegou ao ao Supremo com redobrado ânimo belicoso. “São fatos extremamente graves. É a maior crise que se abateu sobre a Justiça desde a redemocratização do país”. Gilmar mostrava que queria botar para quebrar.
Algumas horas depois, Luiz Fux finalmente entrou em cena. Acatou um pedido do PDT para que os diálogos grampeados não fossem destruídos, requisitou o inquérito sobre os hackers e todos seus desdobramentos, e deu um prazo de cinco dias para respostas do ministro Sérgio Moro e da Polícia Federal. No melhor linguagem jurídico, ele disse que o objetivo era preservar provas para que o tribunal julgue se houve ou não ilicitude na obtenção de provas por parte dos investigadores. “Somente após o exercício aprofundado da cognição pelo colegiado será eventualmente possível a institucionalização da prova por decisão judicial”, ele arrematou, no melhor juridiquês. A aguardada fala de Fux frustou alguns colegas.
A reação veio no final da noite da quinta-feira. Com o aval de Gilmar Mendes e Dias Toffoli, Alexandre de Moraes endureceu o jogo alegando sua dupla condição de presidente e relator de um inquérito de legalidade duvidosa — o tal sobre a fakenews que estreou com desastrada censura à imprensa. Ele também requisitou da Justiça Federal o inquérito sobre os hackers e tudo o que foi até agora apurado. Mas foi bem além de Fux. Mandou suspender procedimentos de investigação da Receita Federal sobre 133 contribuintes, entre os quais Gilmar Mendes e a advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli e determinou que dois auditores fiscais envolvidos na apuração fossem simplesmente afastados do trabalho. Alegou, para isso, “notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta Corte” e “graves indícios de prática de infração funcional”, mantidos em sigilo.
O que mais espantou procuradores da República e assessorias jurídicas de entidades de auditores fiscais foi o que pareceu uma inédita “mão grande” nessas decisões. “Trata-se de um verdadeiro tribunal de exceção, com o objetivo claro de transformar poderosas autoridades públicas em contribuintes intocáveis, a ponto de suspender fiscalizações em curso e afastar cautelarmente auditores fiscais da Receita Federal de suas funções, violentando, sem nenhum pudor, o devido processo legal”, reagiu o Sindifisco, sindicato nacional dos auditores fiscais. A ANPR, a Associação Nacional dos Procuradores da República, também bateu duro. E alertou que as decisões judiciais que vem sendo tomadas com base nesse “inquérito ilegal” colocam em xeque a isenção e parcialidade do poder Judiciário e “produzirão elementos nulos em qualquer processo judicial”.
O que os procuradores apostam é que a maioria do STF não vai endossar essa heterodoxa investigação atribuída por Toffolli a Alexandre de Moraes, sem passar pelo plenário e nem pelo sorteio entre os ministros. Nessa sexta-feira, em uma palestra no interior de São Paulo, o ministro Luis Roberto Barroso expressou o descontentamento de outra ala do STF com todo esse esforço para detonar a Lava Jato. “Parte da agenda brasileira hoje foi sequestrada por criminosos. É difícil entender a euforia que tomou muitos setores da sociedade diante dessa fofocada produzida por criminosos”. É um recado para fora com alvos certos no próprio tribunal.
Gilmar e sua turma não estão nem aí. Querem mais, querem também tirar Deltan Dallagnol do comando da força tarefa da Lava Jato, como se o Ministério Público não tivesse autonomia constitucional e fosse apenas um apêndice do Judiciário. Pressionam a procuradora-geral Raquel Dodge para que ela afaste Dallagnol. Na berlinda nessa reta final da sucessão na PGR, Raquel se recusa a afastar Dallagnol, que é o “promotor natural da investigação da Lava Jato”.
O que me dizem interlocutores dos ministros do STF ligados a Gilmar Mendes é que, se Raquel Dodge não rever sua posição, o próprio Alexandre de Moraes, com base em sua investigação secreta, com uma canetada pode afastar Dallagnol. “Como presidente do inquérito no STF, ele tem poder para isso”, afirma uma das minhas fontes. Se o fizer, vai ser contestado em recursos ao próprio Supremo, além de dar munição para o grupo de senadores que prometem aumentar a pressão para que seja instalada a CPI Lava Toga.
A intervenção monocrática no ministério público para mudar o comando na mais importante investigação sobre corrupção também vai aumentar a insatisfação de ministros que não engoliram esse inquérito secreto, se sentiram atropelados com a decisão de Toffoli de suspender investigações baseadas em relatórios do Coaf, Receita Federal e Banco Central, e esperam reverter tudo isso em plenário.
A conferir.