Com protagonismo na Justiça e em outros braços do Estado, a Operação Lava Jato é o principal marco entre a impunidade generalizada e a perspectiva de um país verdadeiramente republicano.
Seus resultados vão muito além de escancarar a corrupção e colocar os negócios sujos entre as elites políticas, econômicas e corporativas no banco dos réus.
Tiram também de uma estranha área de conforto o próprio Judiciário.
Até o ano passado, o Brasil era uma exceção entre as democracias modernas. Em todas elas, as penas, em algum momento, são cumpridas. Aqui, havia uma indústria de recursos, numa distorção do princípio do trânsito em julgado, que se tornou garantia de impunidade quase eterna para quem tivesse poder e/ou grana.
Relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki liderou uma pequena mudança de interpretação com alcance revolucionário: os condenados em segunda instância, mantidos seus direitos de recurso, podem começar a cumprir a pena.
Corruptos e corruptores – e seus caríssimos advogados em Brasília—perderam o chão.
Os 5 tribunais de segunda instância da Justiça Federal, que antes cumpriam apenas rito de passagem, passaram a ser decisivos. O mais efetivo deles, o TRF-4, grau de recurso na justiça federal dos três Estados do Sul, virou referência e pânico para quem teme as sentenças do juiz Sérgio Moro.
De uma maneira geral, esses tribunais, por mais causas que atendam, são geograficamente limitados. Um atende a São Paulo e Mato Grosso do Sul, outro ao Rio de Janeiro e Espírito Santo, e um terceiro a parte do Nordeste.
O TRF-1, sediado em Brasília, é a exceção. Fazem parte de sua jurisdição 13 estados e o Distrito Federal – todo o Norte e o Centro-Oeste, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Maranhão. É também para esse tribunal que ocorre a disputa política mais acirrada pela nomeação de desembargadores.
Os procuradores que atuam ali há tempos se queixam da dificuldade em dar conta de todo esse universo. Entre outras autoridades igualmente com foro privilegiado, inquéritos de prefeitos por mau uso de verbas federais costumam chegar aos tribunais regionais.
Só para dimensionar o tamanho da encrenca. O TRF-3 cuida do Rio de Janeiro e Espírito Santo – menos de 200 municípios –, só Minas Gerais e Bahia, juntas, têm mais de 1200 municípios.
Aqui, na PRR-1, já vi várias tentativas de dar mais eficácia às investigações, inquéritos e processos. A mais recente foi a criação, em 2015, de um instrumento de nome complicado, o Núcleo de Ações Penais Originárias – até a sigla é controversa, os procuradores o chamam de NAO, no organograma da procuradoria virou NUAO.
Assim, sete ofícios da Procuradoria Regional que atuavam mais ou menos cada um por si se uniram para uma atuação conjunta no TRF-1. O objetivo dessa tropa de elite é fazer avançar com celeridade os processos por corrupção contra a turma com foro privilegiado em sua jurisdição. Parece ter dado certo.
Quem criou o núcleo foi a procuradora Raquel Branquinho. A convite de Raquel Dodge, ela está trocando a chefia dessa turma para montar na Procuradoria-Geral da República a Secretaria de Função Penal Originária. Vai comandar inquéritos e processos dos enroscados na Lava Jato com foro no Supremo Tribunal Federal.
No Supremo, com o avanço das apurações sobre corrupção envolvendo toda a elite política do país, o número de investigados também cresce de maneira exponencial.
Raquel Dodge aposta forte nesse modelo. Dos sete integrantes do NAO, ela escalou quatro para postos-chave: Raquel Branquinho, José Alfredo, Alexandre Espinosa e Alexandre Camanho. Dos três remanescentes, dois já foram parceiros dela em investigações importantes: Marcelo Serra Azul no Acre, quando prenderam Hildebrando Pascoal, o da Motossera; e Ronaldo Albo na Caixa de Pandora em Brasília.
Mesmo com alguns tropeços, Rodrigo Janot está entregando o bastão com sensação de dever cumprido. Disparou todas as flechas que estavam em sua aljava, algumas com pontarias bem certeiras.
Cabe agora a Raquel Dodge, com as correções que julgar necessárias, tocar o barco da Lava Jato. Ela e sua equipe têm competência e preparo para isso.
A conferir.