Por mais redes armadas de proteção, quem exerce a Presidência da República está sempre no meio do furacão. Daí alguma satisfação nos poucos momentos de refúgio em uma praia protegida pela Marinha ou, sobretudo, nas viagens ao exterior. Os relatos de quem acompanhou viagens presidenciais mundo afora geralmente narram bons casos de boa mudança de humor.
Sair do país pode ser um respiro para o governante ou um alívio para quem fica. Sempre que o presidente José Sarney embarcava para o exterior, o então senador Fernando Henrique Cardoso repetia que “a crise viajou”. Era um diagnóstico de que, em momentos de queda de braço com a turma de Ulysses Guimarães, a ausência física de Sarney aliviava o clima político interno. Era também um jogo de ganha-ganha. Até porque, a exemplo de outros presidentes, Sarney buscava produzir lá fora notícias com boa repercussão no Brasil.
Ir ao exterior, portanto, virou aposta de bônus. Entre outras singularidades, Jair Bolsonaro conseguiu efeitos opostos em suas duas primeiras viagens presidenciais. Aos Estados Unidos, a meca do bolsonarismo, seguiu a risca o script do filho Eduardo Bolsonaro — paparicou o guru da família Olavo de Carvalho, fez uma inusitada visita a CIA, agência de espionagem americana, e escalou o filho, em vez do chanceler Ernesto Araújo, para compartilhar uma conversa supostamente sigilosa com Donald Trump.
Mais do que travessuras de um presidente neófito, os três movimentos causaram preocupação em sua única base orgânica no governo — os militares.
A segunda viagem presidencial de Bolsonaro foi ao Chile. Como sempre, o caçula Eduardo Bolsonaro assumiu a ribalta com uma declaração inconsequente sobre intervenção militar na Venezuela. Sua trupe continuou falando bobagem. De tropeço em tropeço, conseguiram ressuscitar até um debate vencido sobre o ditador Augusto Pinochet, a ponto de o presidente chileno Sebastián Piñera ter que dar uma estocada no ilustre visitante para não queimar o próprio filme.
Agora vem a terceira etapa do roteiro ideológico de Bolsonaro no exterior. Mesmo com todos os cuidados tomados, a viagem do presidente a Israel mantém em alerta seus principais assessores militares e econômicos. A expectativa é de que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o Bibi, na reta final em uma acirrada disputa eleitoral, cobre a promessa de Bolsonaro de transferir a Embaixada do Brasil para Jerusalém. Ou alguma outra compensação.
Bolsonaro não tem como cumprir o que prometeu. Sai daqui escalado para oferecer uma alternativa meia bomba que, a rigor, não agrada a ninguém: anunciar a abertura de um escritório de negócios em Jerusalém. Pode irritar os árabes, grandes parceiros comerciais, sem satisfazer seus novos aliados. O primeiro-ministro Bibi, agora com o redobrado apoio de Donald Trump, pode pedir mais. Por exemplo: o endosso de Bolsonaro ao reconhecimento já feito por Trump de que as colinas de Golã na Síria, ocupadas desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, sejam consideradas israelenses à revelia dos organismos internacionais. Uma cambalhota na política externa do Brasil.
Isso é pura dor de cabeça. Os militares aconselham Bolsonaro a ignorar qualquer apelo nesse sentido. Mas temem pela influência da família. O escalado nessa viagem é o senador Flávio Bolsonaro, que, com todos seus problemas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, continua sendo considerado o filho mais moderado. Menos em relação a Israel.
Em novembro de 2018, depois da vitória eleitoral de Flávio e do governador Wilson Wtizel, ambos fizeram questão de enfatizar a prioridade de o Rio de Janeiro adquirir drones israelenses capazes de disparar armas. Fizeram uma grande papagaiada com isso. Queriam usá-los nas favelas cariocas.
Envolvido em escândalos, Flávio anda calado. Pode tentar sair da toca justamente em Israel. Os militares estão de olho.
A conferir.