Os caciques políticos que mandam e desmandam na Câmara, sob a batuta de Rodrigo Maia, ressuscitaram ontem à noite boa parte das regras contra a transparência, a lisura e a fiscalização das eleições que, na véspera, haviam sido rejeitadas pelo Senado Federal. Uma parcela de senadores com alguma influência ainda tenta lembrar aos colegas parlamentares o recado das urnas contra a corrupção, responsável pela eleição de boa parte desse atual Congresso. Palavras ao vento. O troco a jato da maioria da Câmara revela total descaso com a rejeição da opinião pública. Eles deixaram de temer as redes sociais.
Sentem-se seguros sob o guarda-chuva do acordão — uma agenda com as digitais dos presidentes da República, Jair Bolsonaro, do STF, Dias Toffoli, e de Rodrigo Maia. Davi Alcolumbre, eleito presidente do Senado com o apoio de parlamentares defensores da Lava Jato, mantém um pé em cada uma das canoas. O Centrão e seus parceiros no PT, PSDB e MDB querem cumprir à risca o roteiro do acordão de até o final do ano quebrar as asas de Sérgio Moro e enquadrar a Lava Jato e todas as investigações sobre corrupção de gente graúda.
A ordem é tratorar todos os obstáculos. O contraponto de parte do Senado a essa ofensiva irrita os caciques políticos, inclusive senadores como Renan Calheiros e Ciro Nogueira, e de alguma forma tem conseguido amenizar as investidas para passar um borracha em todos os avanços legais decorrentes de escândalos como Mensalão e a Lava Jato.
A bola dividida nessa reforma eleitoral e partidária entre a Câmara e o Senado chegará quadrada no Palácio do Planalto, onde Jair Bolsonaro vai ter que optar entre sanções e vetos. Vai sofrer pressões de todos os lados, inclusive da opinião pública incomodada com os retrocessos no combate à corrupção.
Como os outros parceiros no acordão, Jair Bolsonaro não tem como entregar tudo o que esperam seus novos aliados. A situação de Sérgio Moro é emblemática. Em uma velocidade e falta de pudor surpreendentes, o presidente passou a tratar seu ministro da Justiça com ostensivo descaso. Tomou um susto quando as pesquisas mostraram que só tem a perder nesse embate — sua popularidade é bem menor que a de Moro. Mesmo assim, ele insistiu nesse jogo.
Estava convencido de que Moro, mesmo esvaziado, optaria por ficar no governo. Sérgio Moro realmente não quer sair. Avalia que, com todos os percalços, ainda está conseguindo avançar nos projetos que o levaram a aceitar o ministério. As investidas de Bolsonaro contra o comando da Polícia Federal — braço estratégico e orgânico na execução das políticas de Moro para o combate da corrupção e do crime organizado — colocaram o ministro contra a parede. Ele foi à luta para manter o delegado Maurício Valeixo no comando da PF e fixou como seu limite, no caso de um eventual mudança, a escolha de um sucessor da sua confiança.
Bolsonaro sentiu o tranco e baixou a bola. Segundo fontes da Polícia Federal, Bolsonaro aceitou as ponderações de Moro e vai manter Valeixo na chefia da PF. O general Otávio do Rêgo Barros, porta-voz presidencial, confirmou a vitória do ministro da Justiça, sem passar recibo do recuo de Bolsonaro. ” O Presidente me deixou claro o seguinte ponto: Diretamente nunca fez nenhum tipo de restrição ao doutor Valeixo, reconhece o seu trabalho e reforça que decisões relativas diretamente à Polícia Federal são do ministro Sérgio Moro”.
Ponto para Moro no seu embate contra adversários, inclusive contra as reiteradas ameaças de Bolsonaro de demissão de Maurício Valeixo. A turma do acordão também não passou recibo. Alguns aliados dizem que foi apenas um recuo tático do presidente, que optou por não esticar demais a corda com Moro. Segundo eles, mais adiante Bolsonaro fará a troca na PF com ou sem aval de Moro. A conferir. A Receita Federal, outro alvo prioritário do acordão, continua na berlinda. É forte a reação interna à intervenção pedida por caciques políticos, ministros do STF e o clã Bolsonaro, incomodados com investigações do Fisco.
As dificuldades para implementar a agenda do acordão ocorrem também no Supremo Tribunal Federal. Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski seguem na cruzada contra a Lava Jato e às atribuições para fiscalização dos órgãos estatais de controle. A maioria dos ministros espera que essa pauta seja levada a plenário para se manifestar. Alguns pontos desse pacote contra as investigações sobre corrupção estavam previstos para setembro, depois falou-se em outubro, agora há acenos para sua entrada em pauta em novembro. Receio de Toffoli e Gilmar Mendes de uma eventual derrota?
A conferir.