Desde que fez do combate à Lava Jato seu principal campo de batalha, o ministro Gilmar Mendes coleciona derrotas e vitórias. Durante algum tempo, mesmo com alguns êxitos esporádicos, dedicou-se mais a marcar posição. Sempre apostou que a Lava Jato e outras investigações sobre corrupção de poderosos, além de fora da curva, avançaram o sinal a tal ponto que, em algum momento, teriam de ser enquadradas no que ele considera um freio jurídico.
Gilmar sempre soube que estava na contramão da opinião pública. E não conseguia mais do que um apoio enrustido dos caciques políticos, que queriam cortar as asas de Sérgio Moro e brecar a Lava Jato, mas temiam se expor. O resultados das eleições de 2018 pareciam tornar esse enfrentamento mais difícil. Ainda mais com a chegada a Brasília de Moro como superministro da Justiça e da Segurança Pública. Uma surpreendente conjunção de fatores virou esse jogo.
Antes mesmo de assumir o governo, Jair Bolsonaro virou refém da própria história. As investigações sobre a rachadinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que flagraram Flávio Bolsonaro e outros familiares e jogaram luz em Fabrício Queiroz, operador desse esquema e parceiro das milícias, o fragilizou no jogo de poder em Brasília. Daí foi um pulo para rifar Sérgio Moro, esquecer bandeiras eleitorais, e fazer um acordão com o establishment político.
Gilmar Mendes, que pregava para ouvidos amedrontados em Brasília, ganhou audiência e força para sua agenda contra a Lava Jato. Dias Toffoli, Rodrigo Maia, e caciques políticos acertaram uma ação comum para conter Sergio Moro. Como na época escrevi aqui, o plano era tirar o Coaf de seu comando e esvaziar seus projetos para a segurança pública e o combate ao crime organizado. Tudo isso vem sendo executado com algum sucesso. A partir das controvertidas revelações pelo site The Intercept, parceiros dessa empreitada resolveram dobrar a aposta.
O propósito deixou de ser livrar os poderes em Brasília do jugo de Moro e da Lava Jato. A meta agora é mais ambiciosa: dar um tranco tão forte nas investigações sobre corrupção de políticos de todos os matizes capaz de inibir novas operações e até anular condenações. O carro-chefe, mais uma vez, é Lula. Ou alguém duvida que foi por ele que, depois de tanta insistência, o STF mudou a jurisprudência e proibiu prisão de condenados a partir de segunda instância? Lula e José Dirceu foram os primeiros beneficiados.
Mas Lula quer mais. Quer recuperar seus direitos políticos e escapar da Lei da Ficha Limpa. Se depender de Gilmar Mendes vai conseguir. Com as vistas na Segunda Turma do STF do habeas-corpus da defesa de Lula contra a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro em Curitiba, Gilmar pretende apresentar seu parecer até o final do mês propondo a anulação de todos os processos contra Lula presididos por Moro. Sabe que, com o apoio de Ricardo Lewandowski, empata a votação contra Edson Fachin e Cármen Lúcia que foram favoráveis a Moro. A decisão fica com o decano Celso de Mello.
Gilmar tem dito a interlocutores que espera vencer a batalha. Está convencido que, no mínimo, terá o apoio de Celso de Mello para dar alguma enquadrada em Sérgio Moro. O relevante é se seria suficiente ou não para a campanha de Lula por algum atestado de inocência que lhe devolva os direitos políticos. Só a anulação do processo no caso do tríplex do Guarujá, em que foi condenado, por corrupção e lavagem de dinheiro em sucessivas três instâncias, pode livra-lo da Lei da Ficha Limpa. Ainda que temporariamente. Outros inquéritos e processos podem ser julgados antes das eleições de 2022.
A expectativa favorável de Gilmar anima os lulistas. Avaliam que depois de reiterar seu voto histórico contra a prisão a partir da condenação em segunda instância, que viabilizou a soltura de Lula, Celso de Mello também condenaria Sérgio Moro. Há quem ache exatamente o contrário. No longo preâmbulo do seu voto nessa decisão que tirou Lula da cadeia, Celso de Mello destacou o trabalho da força tarefa da Lava Jato em Curitiba como um divisor de águas na história do país no combate à corrupção e à impunidade dos poderosos.
A conferir.