Chegou a hora do jogo para valer. A presidente afastada Dilma Rousseff, se quiser levar seu processo de impeachment até o fim, toma hoje a primeira de três goleadas. Será na comissão especial do Senado, pelos mesmos 15 a 5 da votação preliminar.
Na confirmação dessa decisão pelo plenário do Senado, no dia 9 de agosto, juridicamente descrita como a aceitação da pronúncia pelos parlamentares, ela vai tomar outra surra. Na melhor de suas hipóteses, Dilma mantém os 22 votos da batalha anterior no plenário, mas os votos contra sobem de 55 para 58, porque os senadores Jader Barbalho e Eduardo Braga, ambos do PMDB, e Pedro Chaves dos Santos (PSC-MS), suplente do cassado Delcídio Amaral, vão votar a favor do impeachment.
Mas a derrota ainda pode ser maior. Renan Calheiros até agora não se definiu por se considerar árbitro do jogo. Mas, nas votações em plenário, quem vai comandar é o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Renan, portanto, não terá impedimento para votar. Mas ninguém computa esse voto.
O que poderá alterar o placar pró-impeachment seria a mudança de lado do senador Elmano Férrer (PTB-PI). No primeiro embate, ele votou com Dilma por causa de sua aliança com o governador petista Wellington Dias. Mas, dizem no Senado, que ele poderá mudar o voto.
Outra possível defecção de Dilma é que o ex-petista Walter Pinheiro, com todas as críticas a sua gestão, votou contra o seu afastamento da Presidência da República. Mas, ele se licenciou do Senado para assumir a Secretaria de Educação na Bahia. Assumiu em sua vaga Roberto Muniz (PP), partido que fechou questão contra Dilma.
Em resumo, Dilma terá 58 votos contra. Não há previsão de perder por menos, mas há a possibilidade de uma derrota maior. Quando o processo de impeachment começou a deslanchar na Câmara, Dilma e seus partidários diziam contar com uma sólida linha de defesa para barrá-lo no Senado.
Desde então, a gente dizia aqui que era pura ilusão. Por vários aspectos, a Câmara é diferente do Senado. Os 513 deputados têm que enfrentar um corpo a corpo em todas suas atividades, da simples inscrição para um discurso, à concorrência por relatorias e a qualquer outra visibilidade em meio a centenas de postulantes.
Mesmo com todas as disputas, os 81 senadores pairam acima disso – falam quando querem, podem negociar protagonismo em relatorias e nas comissões, sem contar um bem treinado exército de servidores para atendê-los e paparicá-los.
Isso quer dizer que, na Câmara, a luta de centenas de deputados é para escalar a estreita escada que separa o baixo do alto clero. A grande maioria não consegue. Ali, com qualquer migalha, o governo pode fazer a diferença.
No Senado, por mais que alguns suplentes no exercício do mandato não tivessem a menor chance de passar na peneira da Câmara, eles só se tornam baixo clero por absoluta incompetência. A disputa pelo holofote tem características diferentes. Quem chega se achando costuma quebrar a cara. Ali, além das estrelas do dia a dia, e de quem não tem preparo para se expor em debates um pouquinho mais sofisticados, tem os discretos por opção ou esperteza. Essa turma, digamos, que se escala no meio de campo e é decisiva.
Presidentes que foram senadores, como José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique, já chegaram ao poder sabendo como era o jogo no Senado. Fora os contratempos habituais, Sarney até enfrentou uma CPI, saíram-se bem.
Lula foi o ponto fora da curva. Quando chegou todo poderoso ao Palácio do Planalto, ele até esnobou Câmara e Senado. Depois do escândalo envolvendo o operador Waldomiro Diniz, o Mensalão virou a suposta solução na Câmara. No Senado, as regras eram diferentes.
Como dizem todos os que sabem do riscado, o poder é mais importante que dinheiro. José Dirceu sabia disso. Preferia pagar a conta a dividir o controle. Na Câmara, isso até funcionou por um tempo. No Senado, o jogo foi outro.
Ao trocar na presidência da Eletrobrás o físico Luiz Pinguelli Rosa, uma estrela acadêmica do seu time, por Silas Rondeau, um apadrinhado de José Sarney, o então presidente Lula disse uma frase, prenúncio de tudo o que se sabe hoje: “Que me desculpe o Pinguelli, mas ele não tem um único voto no Senado”.
O ex-presidente Fernando Collor, na história do país o primeiro presidente a ser afastado por um processo de impeachment, hoje senador, não se cansa de fazer autocrítica na sua relação com o Parlamento. O problema dele é que de tão enrolado nas apurações da Operação Lava Jato não adianta se penitenciar por pecados do passado se vai ter de pagar pelos que cometeu depois. De acordo com os procuradores da República que o investigam, agora as provas não se limitam ao famoso Fiat Elba, são mais consistentes e bem maiores.
O desprezo de Dilma Rousseff pelo parlamento virou prova para justificar seu impeachment. Em relação ao Senado, ela conseguiu uma proeza inacreditável em tempos democráticos: com raríssimas exceções, ninguém gosta dela. Nem os que esbravejam a seu favor, gritando contra o “golpe” do impeachment.
A avaliação que hoje circula como piada de que, se o voto fosse secreto, quase a unanimidade do Senado votaria contra ela, surgiu dentro do PT e aliados. Pelo bem e pelo mal, Dilma vai voltar para Porto Alegre com muito menos amigos que até hoje imagina ter. Por mais choque de realidade que, em seu mundinho, acredita ter recebido.