No jogo de poder, às vezes certezas não passam de ilusões. Há um mês, o país recebeu perplexo a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça, em mais uma controvertida filigrana jurídica, anulou a quebra dos sigilos fiscal e bancário do atual senador Flávio Bolsonaro que o enrolaram de vez no escândalo das rachadinhas. Esse resultado proporcionou uma dupla comemoração.
Em um hotel em Brasília, Flávio Bolsonaro deitou falação de que esse julgamento finalmente reconhecia a sua inocência, em uma clara distorção do que realmente foi decidido. O momento foi ainda mais festivo porque estava acompanhado do advogado Frederick Wassef — seu “anjo” que havia saído de cena quando o sargento Fabrício Queiroz, o faz tudo da família Bolsonaro, foi preso em um casa dele em Atibaia. Terminou ali um segredo de Polichinelo.
Fred Wassef nunca deixou de ser advogado e conselheiro dos Bolsonaros. Foi ele inclusive que teria convencido a família de que nessa terça-feira (16) os outros julgamentos na Quinta Turma do STJ enterrariam de vez o caso das rachadinhas. A certeza de novas vitórias era tamanha que Flávio Bolsonaro chegou a convocar entrevista à imprensa em um hotel em Brasília para comemorar o resultado. Deu ruim.
Por 3 votos a 2, os ministros da mesma Quinta Turma do Tribunal rejeitaram os pedidos da defesa para invalidar os relatórios de inteligência do Coaf — documentos em que se basearam as investigações do Ministério Público — e para anular todos os atos do juiz Flávio Itabaiana, que desde o início das apurações foi o responsável pelo caso.
Se a intenção era pôr uma pá de cal no caso, por enquanto não deu certo. Segundo os investigadores, as rejeições pelo STJ mantiveram intactos um conjunto de indícios e de provas suficientes para levar o caso a frente. A defesa agora vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Quer dizer, teve que trocar o que já considerava certo por uma aposta sem a mesma perspectiva de êxito.
Tudo isso em meio a novas revelações, como as do Portal UOL, que amplia o leque da prática generalizada das tais rachadinhas em todos os gabinetes parlamentares do clã, inclusive o do próprio Jair Bolsonaro durante seus oito mandatos de deputado federal.
E como cerejas desse bolo, supostamente de chocolate, foi a compra por Flávio Bolsonaro de uma mansão no Lago Sul, área nobre em Brasília, por cerca de R$ 6 milhões, o que foi interpretado nos bastidores de todos os poderes em Brasília como uma escancarada falta de sensibilidade. E também a entrada em cena do caçula Jair Renan Bolsonaro, investigado pela Polícia Federal e Ministério Público por tráfico de influência no governo do pai.
É um pesado conjunto da obra, que teria influenciado inclusive nas derrotas no STJ. E pode impactar também no STF. Mas como quase tudo em Brasília passa por algum tipo de barganha política.
A conferir.