A bem da verdade, a apologia do clã Bolsonaro às práticas mais abomináveis da ditadura militar no Brasil não é nenhuma novidade. Todo o barulho pela declaração de Eduardo Bolsonaro que, no caso de uma repetição aqui da revolta popular no Chile, a reação poderia ser um novo AI-5, tem mais a ver com o contexto do que com o próprio texto. Bazófias semelhantes sempre foram a lição de casa da família. O que dá um certo tom de gravidade são algumas circunstâncias. Vamos a elas:
1) — A base histórica do clã Bolsonaro nos bastidores policiais e militares no Rio de Janeiro está em polvorosa. Atribui-se à turma que se alinhou ao governador Wilson Witzel — e conhece o caminho das pedras, inclusive na comunidade do Rio das Pedras — o cerco que fez voltar à cena Fabrício Queiroz e a agitação entre seus supostos aliados nas milícias. Essa turma pode turbinar investigações como as rachadinhas nos gabinetes da família Bolsonaro. Investigadores federais incluem na conta dessa trombada o imbróglio sobre o que rolou na portaria do condomínio Vivendas da Barra no dia do assassinato de Marielle Franco. Dizem ser o filme de sempre em que alguma parte se sente abandonada e cobra proteção de parceiros mais poderosos.
2) — A chamada ala ideológica do bolsonarismo, que tem como gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon, viajou na ilusão de que, a partir do Brasil, varreria as esquerdas e faria uma revolução cultural de direita em toda a América do Sul. Como os ventos políticos nessa região mudam rapidamente de direção, o que antes era um amplo projeto continental de poder, virou necessidade de se defender. Aí a revolta popular no Chile, a eleição na Argentina e tudo que rola nos países vizinhos, sem nem contar a Venezuela, passou a assustar e a estimular a ideia estapafúrdia de precipitar um confronto no Brasil. O vídeo das hienas contra o rei leão Bolsonaro, entre outros posts, é a parte mais visível dessa estratégia.
3) — O engajamento do presidente Bolsonaro. No episódio do vídeo das hienas, Carlos Bolsonaro fez questão de dizer que quem mandou divulgar foi seu pai. Quando deu problema com outros tuítes postados em nome do presidente, Carluxo sempre assumiu a autoria. A diferença agora é que o presidente parece disposto a voltar ao protagonismo na guerra em que sempre foi o carro chefe. Conta para isso com o apoio constatado pelas pesquisas de cerca de 30% da população e o fato de no jogo de poder não chegar só.
4) — O general Augusto Heleno, desde a campanha eleitoral, era tido e havido como referência de equilíbrio. Em alguns setores foi apresentado como salvaguarda contra eventuais surtos autoritários de um governo Bolsonaro. O credenciava o fato de ser junto com o general Villas Bôas os principais líderes militares do país. Pois bem. Heleno foi a única voz destoante na reação generalizada na República ao besteirol de Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5. “Não ouvi ele falar isso. Se falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir. Acho que, se houver uma coisa no padrão do Chile, é lógico que tem de fazer alguma coisa para conter. Mas até chegar a esse ponto tem um caminho longo”.
Pode parecer preocupante essa declaração na boca de um dos avalistas de que Bolsonaro não tentaria dar um golpe, como acusavam seus adversários na campanha eleitoral. Ainda mais que ele é o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, quem comanda o serviço secreto do governo. E tem como assessor nada menos que o general Villas Bôas, com todos seus graves problemas de saúde. A questão é se, além do habitual apoio de grupos da reserva, essa posição tem ou não respaldo nos quartéis.
5) — A posição dos militares. Quem convive de perto com generais, almirantes e brigadeiros da ativa descarta qualquer aventura das Forças Armadas contra a democracia. Na Marinha, Aeronáutica e em grande parte do Exército, os filhos de Bolsonaro são tidos como doidivanas. Até no Exército o que se fala é que a mudança do general Heleno, que trocou a moderação pela beligerância do clã bolsonariano, o distanciou das tropas. Interlocutores de generais da ativa descartam qualquer possibilidade de apoio à golpe militar, mesmo que a iniciativa parta do presidente Jair Bolsonaro. Dizem que até nessa hipótese, que não consideram nada factível, quem acabaria na presidência da República seria o vice-presidente Hamilton Mourão.
Golpe nunca mais.
A conferir.