O ilusionismo costuma ser definido como uma das formas mais antigas de entretenimento. Nem sempre é visto como uma eficaz arma política. Até porque a capacidade de enganação na política é insuperável. Há uma peça em cena agora na Câmara e no Senado que é pura magia.
Ela retrata o esforço dos atores políticos de mostrar apoio à Operação Lava Jato, atender aos reclamos de investigadores e da sociedade, ao custo de passar uma borracha nos crimes praticados até aqui por políticos, empresários e autoridades em geral.
No velho e bom ditado, dar com uma mão e tirar com a outra.
Com pequenas mexidas, Câmara e Senado estão ansiosos para aprovar as medidas pedidas pelo Ministério Público, apoiadas pela opinião pública, para endurecer o combate à corrupção. Querem dizer à sociedade que entenderam as cobranças nas redes sociais e o recado da urnas.
Nessa mágica em que transformam o bem em oportunismo, querem se apossar até do “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”, em “Se você pensa”, um dos clássicos de Erasmo e Roberto Carlos.
Aos fatos.
1 – Aprova na Comissão Especial, com correções e acréscimos, as 10 medidas propostas pelo Ministério Público e subscritas por mais de 2 milhões de assinaturas.
2 – Uma emenda no plenário da Câmara separa o passado do futuro. Alguns entendem que, ao tipicarem o caixa 2 como crime, quem o praticou no passado se livra de condenações penais. Como há controvérsias, outros querem tornar isso mais explícito.
3 – A emenda que está sendo burilada, fruto de avaliação de grandes escritórios de advocacia, anistia a todos que se apegam à tese de que os “malfeitos” são caixa 2 nas esferas penal e cível.
4 – Se conseguirem emplacar a fórmula mágica, além de se livrarem da cadeia, todos até aqui investigados se resguardam também das punições previstas pela Lei de Improbidade Administrativa.
5 – Essa anistia tem um caráter solidário. Numa paródia de uma saída histórica para a transição da ditadura para a democracia, em que se pagou um preço político, a anistia à corrupção também se propõe a ser recíproca.
6 – Para que não haja qualquer dúvida, as empresas e os executivos que pagaram propina e faturaram fortunas vão receber uma anistia específica. É o projeto sobre acordo de leniência. Não por acaso, o relator é o deputado André Moura, líder do governo.
7 – A proposta de André Moura livra as empresas da esfera criminal. Em suas delações, donos e executivos de empresas têm sido letais contra caciques políticos. Como disse Romero Jucá, na gravação feita por Sérgio Machado, é preciso acabar com essa sangria.
8 – O relatório de André Moura tira também o Tribunal de Contas da União da avaliação se o acordo de leniência deve ou não ser fechado. No mínimo, é menos um obstáculo para os advogados que sempre nadaram de braçada na defesa de seus clientes em Brasília.
9 – A aprovação desse pacote é interpretado no Congresso como uma espécie de pacificação política. Na Câmara, o resultado seria uma espécie de aclamação à recondução de Rodrigo Maia à presidência da Casa.
10 – A costura no Senado é para que a anistia e o projeto sobre acordo de leniência sejam aprovados em tempo recorde. Quer dizer, tudo seja varrido na gestão de Renan Calheiros.
Políticos, empresas e lobistas se preparam para novos tempos depois de se lambuzarem em temporadas de altas farturas que quebraram o país. A conferir.