O presidente Jair Bolsonaro conseguiu a proeza de desagradar a aliados e a adversários com a indicação de Antônio Augusto Brandão de Aras — um crítico ostensivo da Operação Lava Jato — para suceder Raquel Dodge na chefia da Procuradoria Geral da República. Além de causar um pampeiro em todo o ministério público, a escolha de Aras foi mal recebida até entre os principais adversários de Sérgio Moro. Caciques políticos e ministros do STF que, há meses, trocam figurinhas com o próprio Bolsonaro em uma articulação para cortar as asas de Moro e enquadrar os órgãos estatais de controle e investigação, não gostaram da decisão.
Dias Toffoli e Rodrigo Maia, que se empenharam na recondução de Raquel Dodge, quando finalmente se convenceram de que sua candidata era carta fora do baralho, ainda tentaram pôr mais um pedra no caminho de Augusto Aras. Três semanas atrás, com o reforço do ministro Luiz Fux, Toffoli e Rodrigo Maia haviam conseguido fazer Bolsonaro adiar o anúncio do novo PGR, o que reabriu a disputa e deixou na chuva Augusto Aras que já estava montando sua equipe. Ele se recolheu, sem passar recibo, e conseguiu chegar lá.
Mas, por que Augusto Aras, um obscuro sub-procurador geral, é visto com tal desconfiança pelo establishment político em Brasília? Depois de escrutinarem sua trajetória desde os tempos em que advogava para Antônio Carlos Magalhães, seus flertes com o petismo que sucedeu o carlismo na Bahia, chegaram a conclusão que ele seria um risco no comando da PGR. Quem senta naquela cadeira tem um verdadeiro canhão à disposição, como a prerrogativa exclusiva de propor ações penais contra os presidentes dos três poderes e todo o alto escalão da República.
No perfil de Aras descrito para Rodrigo Maia e outros próceres da República, ele não titubearia se Jair Bolsonaro pedisse que ele usasse o tal canhão contra qualquer um deles. Pode não ser verdade, mas colou. Um amigo de Aras, que o conhece bem, considerou completamente equivocada essa avaliação. ” Por ignorância ou má fé o estão desprezando. O baiano é muito maneiroso e sabe levar na conversa mole. Não vai cumprir nenhuma pauta absurda e o Rei terá a sensação que fez a melhor escolha”.
Essa alegada ginga baiana será testada, além do combate à corrupção, em uma penca de outras questões em que o ministério público atua ativamente desde que a Constituição de 1988 lhe concedeu autonomia e muitos poderes. Ao fazer o anúncio da indicação de Aras em um evento no Ministério da Agricultura, Jair Bolsonaro carimbou a escolha como uma mudança radical no trato pelo MP das questões indígenas, trabalho escravo, quilombolas, problemas agrários, política ambiental, entre muitas outras.
Bolsonaro ainda não entendeu que o ministério público não é um órgão do governo. A rigor, apesar das várias interfaces, também não pertence ao Judiciário. Mesmo sendo estatal, inclusive com seus defeitos, como o excesso de regalias, é organizado em um sistema quase de autogestão, com o propósito de representar a sociedade, incluindo seus direitos difusos.
Augusto Aras sabe disso. Tem consciência que vai comprar muita briga interna, algumas com algum apoio de procuradores insatisfeitos com as sucessivas gestões tidas como de esquerda, e desde agosto tem buscado ajuda de colegas com mais influência no colegiado. Ele já chega contestado por uma ala bolsonarista que o considera esquerdista e vai tentar empurrar goela abaixo do MP sua ampla agenda conservadora.
O maior desafio à ginga de Augusto Aras, no entanto, é conseguir sentar na cadeia. Até lá o caminho é longo e cheio de riscos. Seu maior problema não é o ritual de ser sabatinado e aprovado pelo Senado, apesar da insatisfação de muitos senadores. É a rebelião de bolsonaristas nas redes sociais, que considera sua escolha um recibo de Bolsonaro de abandono da bandeira contra a corrupção. Bolsonaro entrou em parafuso. “Pelo menos 20% do pessoal que votou em mim está falando que acabou a esperança e que vai votar no Moro em 2022. Pessoal, atire a primeira pedra quem não cometeu um pecado. Eu tinha que escolher um nome. Eu devo lealdade ao povo, mas não é essa lealdade cega”, tentou se explicar nas redes sociais.
Esse tiro de Bolsonaro no próprio pé foi um fecho sob medida para uma dia que começou com a divulgação pelo Datafolha da inabalável popularidade de Sérgio Moro, há meses sob intenso tiroteio. Moro tem praticamente o dobro do apoio a Bolsonaro, que só vem encolhendo nos últimos meses.
Como não agradou ninguém — só registrei as reações de supostos aliados –, Bolsonaro ainda pode recuar e desfazer a indicação. O problema é que nas tratativas com os caciques políticos ficou claro para os interlocutores que o preço dessa pacificação, além de esvaziar Sérgio Moro e a Lava Jato — do interesse de Lula a Eduardo Cunha –, inclui também o fim da investigação sobre Flávio Bolsonaro e até a anulação das delações da JBS que motivaram processos contra Michel Temer e Aécio Neves.
É um dilema para Bolsonaro.
A conferir.